segunda-feira, 23 de julho de 2012

Uma quinta na Austrália!

3 cães, 4 gatos, 12 vitelos, 9 porcos, 2 pavões, 1 pelicano, 1 cavalo e inúmeras galinhas e patos… são estes os animais que habitam no jardim da quinta onde estou a trabalhar na Austrália. Todos vivem em equilíbrio uns com uns outros, mas muitos também acabam no prato do Norm e da Dawn que se orgulham de não ir a um talho há bastante tempo

Este casal que anda na casa dos 60`s é aquilo a que se pode chamar um casal adorável. Têm dois filhos que já não vivem na quinta, mas cuja presença em fotografias e outros pequenos detalhes ainda se encontra dentro destas paredes. Também esses filhos já têm filhos hoje em dia, e foram viver para a cidade… não quiseram ficar no campo. Um deles mudou-se para Sidney, o que diga-se não é uma má cidade para se viver. Os poucos dias que lá passei mostraram-me uma das cidades mais bonitas e funcionais do mundo, sinal mais! Vale a pena visitar os seus monumentos, parques e ruas com gente jovem e bandas a atuar.

Quando cá cheguei, ao ler um guia turístico, fui relembrado de algo que a primeira vista parece não ter grande importância, mas que faz toda a diferença na cultura de um país: a Austrália só existe há 200 anos! Pelo menos enquanto país e com este nome. Nos últimos 50.000 anos foi habitada pelo povo aborígene que caçava, dançava, cozinhava, pintava e fazia amor durante o dia e depois no dia seguinte… voltava a fazer o mesmo! Até que o Diabo Branco chegou e alterou tudo isto… hoje em dia os aborígenes são uma raça marginalizada dentro da sociedade Aussie e estão associados a problemas de prostituição, crime e drogas. Alguns deles são também os melhores desportistas e artistas do pais, mas é impressionante verificar o que os povos colonizadores fizeram a estes povos.. Portugal também estragou a vida a muita gente nas Áfricas e Américas, mas gostamos de nos lembrar que inventámos o compasso marítimo e fomos brilhantes ao dividir o mundo em Tordesilhas.

São também um dos países mais ricos em minérios do mundo! Têm tudo e mais alguma coisa e oportunidades não faltam para quem quiser trabalhar nesta área. Sendo uma das profissões mais perigosas do mundo as empresas Australianas pagam cerca de 20.000 euros/mês (sim por mês!!)para quem quiser fazer turnos de 16 horas/dia a 300 metros de profundidade sem seguro de vida. Se queres fazer 240.000 euros por ano e não te importas com estas condições, vem para a Austrália jovem!!

E assim temos este jovem país, que inicialmente foi habitado pelos expatriados e condenados britânicos e depois por outros imigrantes de diversas nacionalidades. Nota-se no entanto que foi um país que evoluiu influenciado pela esfera da commonwealth: bebem chá, guiam à esquerda e gostam de cerveja. Os desportos nacionais são o cricket, rugby e futebol australiano, que embora não se compare ao nosso futebol é muito interessante também. Mas apesar das semelhanças, e depois de ter vivido um ano no UK, posso também dizer com alguma segurança que os Australianos já souberam criar a sua identidade e parecem-me mais descontraídos, sociáveis e amigáveis que os Ingleses.

A quinta onde estou a trabalhar fica em Stanhope, no estado de Victoria, berço da nação Agrícola Australiana. Stanhope fica a 36 graus sul do equador, a mesma distância a que Portugal fica do equador, mas a norte. Esta questão está a ser bastante boa para a minha aprendizagem agrícola pois as características meteorológicas são bastante semelhantes com as nossas. A última coisa do mundo que pretendia era ter sido colocado numa quinta de produção super intensiva cheia de maquinaria pesada e relações complexas com clientes e fornecedores. Ou seja, até podia ter acontecido ter calhado numa situação dessas pois quando vim não sabia bem para o que vinha. Mas em vez de uma quinta virada para o mercado e para o lucro, o que encontrei foi um lugar virado para a natureza e com pessoas amigáveis, o que me deixou bastante satisfeito. Obviamente que uma quinta precisa de fazer dinheiro e ninguém pode viver sem isso, mas é preferível e possível fazê-lo respeitando o ambiente e os animais que nele habitam.

Digamos que estou a trabalhar numa quinta “Free Range”.

Stanhope foi alvo de milhões e milhões de dólares de investimento no seculo XX, cujo objetivo foi a construção de canais que permitissem fazer a rega dos campos. Talvez Portugal pudesse ter aproveitado os fundos Europeus para fazer algo de semelhante em vez de andar a alimentar o bolso de políticos corruptos ou a fazer quilómetros de alcatrão. Ao todo estes canais irrigam uma área que tem uma extensão de 150 km de altura por 300 kms de comprimento. A coisa é tão fácil como isto: quando o Norm quer regar os campos, basta abrir o canal que está ao fundo do seu terreno e a água vem deslizando suavemente pelos campos. Obviamente que o terreno é ligeiramente inclinado por milímetros para permitir que a água escorra. Trata-se de uma zona de criação de gado bovino, ovelhas e também de cereais. Na região onde me encontro, há muitas unidades de produção de carne e também de leite.

Aqui na quinta temos também 96 vacas leiteiras que têm de ser ordenhadas 2 vezes por dia, às 5 da manhã e às 16 da tarde. Nas primeiras duas semanas estive a ajudar o jovem Dylan que já trabalha aqui há uns meses. Na sexta passada já fiz o processo todo sozinho o que envolveu algum grau de responsabilidade e autonomia. Estava com algum receio mas correu tudo bem, à exceção que nos primeiros minutos tinha um filtro mal ligado e perdi alguns 30 litros de leite para o cano de esgoto…

Na quinta fui muito bem recebido pelo casal Norm e Dawn. Não recebo ordenado mas tenho um quarto confortável, comida caseira com fartura e até me “deram” uma moto 4 para o meu trabalho diário e para me deslocar. Não há vida social nas redondezas mas o trabalho ocupa-me grande parte do dia. Faço de tudo desde a ordenha das vacas, arranjar cercas, guiar o trator, semear solos, alimentar os animais e muitas outras coisas do dia a dia de uma quinta! Às vezes os animais fogem e tem que se andar atrás deles, quem disse que uma vaca não consegue correr? Em campo aberto correm mais que nós, pelo que já me apercebi. Também vou tendo outras experiências engraçadas, hoje por exemplo o responsável pela inseminação artificial das vacas veio à quinta e, no meio do processo, desafiou-me a por uma luva até ao ombro e a enfiar o braço dentro da vaca até sentir os ovários da sra., muito didático. Mais tarde tínhamos que dar um remédio a uma vaca e tive que lhe agarrar na cabeça e por os dedos no nariz com toda a força para a obrigar a abrir a boca, enfim, coisas do dia a dia.

No meio disto tudo o Norm acompanha-me em tudo. Que sorte ter encontrado uma pessoa como ele. Já tem cerca de 64 anos mas tem um espirito de um jovem de 20 anos. Diria que é um homem que devia ter vivido na altura do Renascimento. Nunca viajou mas lê livros sobre tudo e mais alguma coisa. Está sempre a receber livros pelo correio que compra em segunda mão na internet e diz-me todo contente “ O que me interessa se estas palavras são em segunda mão?”, interessa-se por arte e por física. Adora cozinhar, antecipa a meteorologia, e sabe sempre quando vai fazer geada. Arranja tudo o que estiver estragado e não desiste até resolver um problema com a maior calma e paciência do mundo. Em duas semanas já criei uma relação de amizade com ele bastante boa. Para além de ser um senhor bastante interessante também tem um elevado sentido de humor. Às vezes levanto-me e digo-lhe que não me apetece ir trabalhar e ele ri-se que nem um perdido. Às vezes quando ele cozinha eu digo-lhe que não gosto da comida e ele diz-me que eu posso então enfiá-la por um sítio acima haha. Resumindo, é bastante bem disposto e passamos o dia alegres enquanto trabalhamos! Entretanto, ele também foi durante vários anos professor de agricultura numa universidade da Austrália e explica-me todas as dúvidas que eu tenho. Ainda esta semana vamos ao Mercado vender uns porcos e vamos matar umas galinhas para comer… ele diz que tenho de ser eu a fazê-lo… Vai ser giro! Acima de tudo ele confia em mim e vai-me propondo vários desafios. Acho que esta é a melhor maneira de trabalhar com pessoas: confiando nelas para se poder aproveitar o potencial.

Melhor que isto acho que seria difícil, tive bastante sorte em encontrar um local assim. Claro que já tenho muitas saudades de Portugal e quando penso que estou enfiado no inverno australiano enquanto é verão no nosso pais, custa bastante. Mas ao mesmo tempo está a ser uma experiência enriquecedora e inesquecível. Mais umas semanas e já poderei comer marisco em Portugal e estar com os amigos e família.

Muitas saudades e abraços do outro lado do mundo, e não se esqueçam…Think about it!