sábado, 1 de novembro de 2014

Estágio na Quinta da Abegoaria

A Quinta da Abegoaria, fica em situada em Canha, Vendas Novas.

Esta localidade de Portugal tem a particularidade de se encontrar na fronteira entre Alentejo, Ribatejo e Estremadura!

A paisagem da região reflecte isso mesmo. Diversidade. Num raio de 15 kms à volta da quinta encontramos fileiras de vinha, montado de sobro e azinho, bosques de pinheiros, olival, vacas a ruminar, ovelhas a pastar e consoante a época tomate, pivots de milho e searas de azevém, trigo e aveia.


A Quinta da Abegoaria tem 620 hectares. A propriedade produz bezerros para carne (vendidos ao desmame ou com mais umas semanas de engorda). O efectivo bovino maternal é constituído pela raça mertolenga. Já na linha paternal temos touros Limousine e Angus, sendo que por vezes, para novilhas de primeira e segunda barriga, é feita inseminação também com Angus.

O maneio diário do gado tem trazido grandes ensinamentos e tem sido nesta área que tenho passado a maior parte do tempo. Já vamos a meio da primeira época de parições na Abegoaria e há muito que fazer de modo a assegurar que as vacas andam bem nutridas e que os vitelos sobrevivem sãos e saudáveis.

Neste campo destacar mais uma vez algo que já tinha visto na Austrália e que é aplicado também nesta quinta: a parceria com um bom veterinário é fundamental para uma gestão pecuária de sucesso!! O veterinário não pode ser visto como um custo, mas assim como um parceiro e membro permanente da equipa. Aqui na quinta o Vasco Brito Paes tem feito um grande trabalho de acompanhamento, para além de definir em conjunto com o João, a estratégia a adoptar em termos de gestão da manada - nascimentos, saneamentos, parições, palpações, selecção animal, etc



Outra das facetas da propriedade é a produção de material forrageiro para os animais, uma das áreas que mais me fascina: o que plantar? Quando cortar? Feno ou feno silagem? Quando embalar? Por fim a gestão da pastagem e da parte florestal. A propriedade tem milhares de sobreiros e pinheiros mansos e como muitas vezes vem referido na imprensa e é do conhecimento geral, a floresta é das maiores riquezas de Portugal e há que saber potenciar este aspecto!

Numa das zonas da propriedade decorre inclusivamente um projecto inovador com regadio e enxertias de pinheiro manso. Um excelente trabalho de investigação que tenta saber mais sobre esta fileira que tem muito valor: as pinhas que têm os pinhões!


A Quinta da Abegoaria é um lugar especial do mundo. Por isso propus ao meu amigo e dono da propriedade, João Oliveira Soares, trabalhar durante dois meses, alguns dias por semana, a troco de comida e dormida.

Os 3 objectivos principais são:

- Aproximar-me cada vez mais da realidade agrícola portuguesa: vocabulário, estabelecer rede de contactos, perceber as condições endafoclimáticas (solos, clima, etc...),

- Perceber como é que o João elabora o seu processo de tomada de decisão diariamente, consoante a época que estamos e mediante os recursos à disposição como por exemplo o número de empregados e maquinaria disponível por exemplo.

- Desenvolver competências agrícolas no terreno. Esta é a área onde sinto mais dificuldades e quero aprender mais. Cresci numa cidade e coisas tão "simples" como usar ferramentas, cortar tubos de rega, abrir portões das cercas, guiar tractores, montar e desmontar atrelados, correr atrás de vitelos para lhes colocar brincos de identificação, cortar e apanhar lenha, dividir grupos de vacas, aplicar herbicida, gradar terrenos, etc... são coisas que não fazem parte da minha educação. Em baixo um tractor atolado pela minha pessoa.



Este último ponto tem sido aquele que tem exigido mais esforço.

Os 3 dias por semana que trabalho na propriedade são gastos na frente da batalha. Nas trincheiras.

Visto umas calças velhas. Umas botas bem usadas género Timberland. Coloco umas luvas e faço aquilo que me pedem e consigo fazer.

Nos primeiros dias andei um pouco perdido e executei diversas tarefas de forma bastante sofrida.

Quando acabava de dar os fardos de feno silagem às vacas pela manhã, parecia que tinha acabado de sair de uma piscina tal era o nível de suor. Na segunda semana, fracturei um dedo do pé quando espetei uma espécie de forquilha pela bota adentro. Não conseguia fazer marcha atrás no tractor quando este tinha um atrelado colocado. Não conhecia bem as diferentes cercas da quinta. Não sabia bem o que se estava a passar. Estava a tentar apanhar um comboio que circulava a grande velocidade.


Ainda não apanhei o comboio mas já o vejo mais perto.

O trabalho tem tantos pormenores e especificidades que também seria de estranhar se já tivesse apanhado o mesmo. Mas a cada semana que passa vou aumentando o conhecimento das tarefas e desenvolvendo técnicas que me permitem fazer as coisas de forma mais fácil e eficiente. Também já me encontro em melhor forma. Quando cheguei à quinta pesava uns belos 76 kgs e neste momento assentei nos 73 Kgs. O trabalho é bastante duro e exige muita concentração. Várias vezes por dia tenho de saltar de carrinhas ou tractores, fazer a máxima força ou correr à máxima velocidade.

Para que tudo isto esteja a correr desta forma positiva e com perspectiva de evolução muito têm contribuído o João, dono da quinta, a sua família e o responsável principal/vaqueiro Cláudio.



Não deve ser fácil para ninguém ter um "gajo" de 33 anos a fazer asneiras e sempre a fazer perguntas. Mas eles têm sido bastante pacientes e têm-me ensinado devagar e com vontade. Também sinto que o meu trabalho é valorizado e como me encontro feliz e motivado por esta oportunidade as coisas têm acontecido de uma forma natural. Não queria também deixar de mencionar o pai do João que me  recebeu bastante bem e me dá bons conselhos.

Outras pessoas como o vaqueiro Zé Manel, o romeno André, o Sérgio Fadista e o grande Baila também têm contribuído para a minha formação.

Trabalhamos no duro de forma séria e intensa. Mas também falamos e nos rimos. E por vezes também fazemos silêncio e assistimos ao espéctaculo diário que a natureza nos oferece.




À noite janto com a família do João na sua casa. A Mónica faz bons petiscos enquanto as filhas Carmo e Isabel, de 3 e 1 anos respectivamente, cantam, dançam, riem e choram. Às vezes o grupo é mais alargado e vem também a mãe do João, ou o Tio Zé, ou a Margarida. Na semana passada chegou um habitante novo: um cachorro bebé chamado Jake. Se já havia "confusão" agora ainda há mais! Mas uma confusão saudável, a confusão da vida, do crescimento e do convivo no campo.

Depois de tudo isto vou para o meu anexo. Um quarto tipicamente alentejano caiado de branco com muitas criaturas a habitar lá dentro desde aranhas, lagartixas e mais recentemente um pombo! Deito-me na cama, aponto o que aprendi e durmo que nem uma pedra. Não há barulho de carros ou aviões. Apenas o barulho da felicidade.

Think about it!