domingo, 29 de março de 2015

Laos. Uma viagem pelo fantástico.

Havia caca de vaca por todo o lado. Poias gigantes. Cada uma do tamanho de um bolo rei. Muitas bem fresquinhas ainda. Mas isso não impediu que o jogo de futebol fosse mesmo ali. Estacionamos as motas e ficamos para jogar a peladinha do final de tarde. Quando o sol já estava acalmar a sua raiva e até soprava uma pequena brisa.

O cenário era épico. Uma planície no meio de um vale. Ao fundo, duas colinas ajudavam o sol a pôr se. Um sol vermelho como o da bandeira do Japão. Dezenas de crianças a jogarem vólei, futebol e futvolei. Todos equipados a preceito com as camisolas de grandes clubes europeus: Chelsea, Real Madrid, Manchester United, etc

O jogo começou. Depois de muita confusão inicial o Lourenço recebeu a bola na linha. Tirou dois adversários do caminho com uma finta rápida. Circundou uma poia com um aspecto fresco e recente. Flectiu para dentro da grande área. Os locais olhavam estonteados. Viu-se cara a cara com o guarda-redes...

Levantou a cabeça e fez o golo! A bola estava lá dentro. 1-0. Correu em tronco nu em busca dos companheiros de equipa. A nossa glória futebolística chegava finalmente. Tarde mas chegou.

Comprar as motas no Laos foi a melhor ideia que tivemos nesta viagem.

Nunca tinha andado tanto de mota. Nunca tinha atravessado um país de mota. E não  tenho muita experiência a guiar motas. Especialmente manuais!

Ao início tive algum medo. E recebia mensagens de família e amigos para não o fazermos. O perigo era eminente. Tinha tudo para correr mal. Mas correu bem. Aprendi algo novo. E é para isso que estas viagens de mochila às costas também servem. Para quebrar limites e aprender. Experimentar. Viver a adrenalina em ambientes inóspitos.

É que no Laos não estamos a falar de estradas largas e com bom alcatrão como temos na Europa. Há muitos buracos. De todos os lados surgem crianças e cães a correr. Galinhas, porcos, vacas e búfalos passeiam sem pudor. Bancas de comerciantes e mercados formam-se à beira da estrada. Não há distinção entre o que é passeio e alcatrão.

A situação mais caricata que tivemos foi já mais para o fim da viagem.

Era de noite e estávamos a poucos kilómetros de chegar ao destino.  

É neste momento que numa descida, está um homem deitado no meio da estrada. Mesmo no meio!!

Não temos explicação para o que ele estava ali a fazer. Mas desviámo-nos a tempo. Será que ele ainda lá está?

O perigo espreitava por todo o lado.

Mas isso não me impediu a mim e ao meu fiel companheiro de estrada , Lourenço Macedo Santos  (ex artista no Poço da Morte da Feira Popular), de fazer esta jornada épica atravessando o Laos desde o Sul até ao Norte.

A escolha das motas não foi difícil.

Queríamos motas não muito poderosas em termos de motor mas que também não fossem nenhuns triciclos.

Tinham também que aguentar com o nosso peso e das malas.

E era essencial que tivessem uma mecânica de fácil compreensão para as garagens locais.

Por isso enveredamos por duas peças de museu Vietnamitas. Dois tanques de guerra capazes de subir ao Evereste.

Duas motas a que chamamos Julieta e Judite.

Colocamos cartazes pelas ruas em Pakse, no sul do Laos, e em poucos dias fizemos o negócio. Só faltava partir.

Os grandes números desta jornada de contornos bíblicos são:

- Modelo e Cilindrada das motas: Honda Win 110 cc.

- Ano de construção: 57 A. C.

- Número de donos anteriores: 168, incluindo dois cães.

- Operações Stop - 0

- Quedas - 1

- Pneus rebentados em andamento - 1

- Kilómetros - 1600 (o mesmo que ir de Chaves a Faro e voltar. Sempre por estradas secundárias).

- Mecânicos visitados - pelo menos 15,

- Mosquitos engolidos: 12,

- Número de camas diferentes em que dormimos: 14,

- Boleias a raparigas do Norte da Europa: NA

Atravessar um país assim não é o mesmo que o fazer de autocarro.

Vemos e sentimos tudo o que se passa nas ruas.

De manha saiamos do quarto, púnhamos as malas na traseira da mota bem presas com uns elásticos e arrancávamos.

Há poucas sensações de liberdade tão fortes e intensas como viajar assim de mota. Desconhecia completamente o conceito e  talvez seja uma nova paixão. Uma das grandes vantagens é que paramos onde queremos e às horas que queremos. Não é isto que é viajar também?

Passamos 30 dias de mota no Laos e nunca abrimos um mapa. Não tínhamos obrigações de estar em lado nenhum e por isso nunca estivemos perdidos. Ou então estávamos sempre, depende da perspectiva. Só sabíamos que era para norte. Todos os sítios onde fomos descobrimos por conta própria ou fomos aconselhados por estrangeiros ou locais.

Conhecemos pessoas novas todos os dias. Franceses, Espanhóis, Italianos, Americanos, Alemães etc e até alguns Portugueses. 

E as dificuldades que experimentamos no início da viagem com os asiáticos já se dissiparam. Rimos e brincamos com os locais. Aprendemos muitas palavras e expressões. Dançamos com eles. Comemos e bebemos. E não só com pessoas do Laos mas também com Japoneses, Coreanos ou Tailandeses. Afinal estas pessoas também tem um coração e nem tudo gira tudo à volta do dinheiro. Os momentos que passamos com os asiáticos são fantásticos! Divertimo-nos à séria!

Para alguns estrangeiros que conhecíamos na estrada éramos verdadeiros heróis. Dois malucos a subir o Laos de mota.

Mas para outros não passávamos de meros turistas.

Porque na estrada também descobrimos que ainda há verdadeiras epopeias a serem feitas pelo mundo inteiro...

Verdadeiros desafios ao espírito humano que me fizeram pele de galinha...

Como o Italiano que está a dar a volta ao mundo numa Vespa. Ou o alemão que foi a pé desde Hamburgo a Teerão.

Mas pronto tem que se começar em algum lado e isto foi mesmo um grande desafio. Houve momentos em que não sabia se íamos aguentar ou conseguir chegar ao fim.

Andamos em estradas no meio da selva. Subimos montanhas em terceira com o motor quase a rebentar. Percorremos trilhos cobertos de areia, pedras e relva. Atravessamos pontes feitas em bambu com um metro de largura e tábuas de madeira quase soltas. Andamos com chuva e também debaixo de um sol de 40 graus. Com o vento a bater na cara. Descobrimos cascatas e lagoas de deixar qualquer um de queixo caído. Demos mergulhos épicos.

Tudo o que se escreva ou diga sobre o Laos não consegue fazer jus à beleza do país. Acreditem quando digo que nunca tinha visto nada assim. É simplesmente deslumbrante! Não tem explicação possível.

A pergunta agora é quantos anos ainda durará este paraíso? A China quer abrir vias comerciais para o Vietname e Tailândia. E há grandes grupos turísticos já a olhar para a região também. Temo pelo futuro da natureza no Laos.

No final do mês vendemos as motas e ainda fizemos bons negócios.

Nunca vou esquecer o Laos. E tenho a certeza que vou voltar. 

Por vezes ia correr de manhã e via as cidades a acordar. 

Durante o dia o ar do país é amarelo e alaranjado. Uma atmosfera quase dantesca.

Fizemos desporto, arte e novas amizades. 

A comida é super fresca e saudável. Quase não comemos carne. A alimentação é feita à base de frutas e legumes.

Dormimos em bungalows no sopé de montanhas e à beira de lagos.

No final gastamos uma ninharia. Cerca de 700 € no mês inteiro.

Voltei hoje para Banguecoque e estou neste momento sentado num quarto de hotel perto do aeroporto a escrever este texto. Parece que foi tudo um sonho. Ainda bem que o pude viver. Porque o sonho comanda a vida e quando se confunde com a realidade é porque estamos no caminho certo.

Próxima etapa: Norte da Tailândia e ver se nos deixam entrar no Myanmar!

Think about it!