quarta-feira, 26 de junho de 2019

O xadrez do conflito EUA-Irão.


Nunca fui bom a jogar xadrez. Sei os movimentos básicos e ganho aqui a ali a uns nabos que se apresentam à mesa numa noite de verão. Ou então se estiver numa fase de maior inspiração. A verdade é que também nunca pratiquei muito. Mas a principal razão por que não sou bom no xadrez é porque neste jogo é preciso prever três ou quatro jogadas à frente. Eu consigo talvez duas.

No conflito entre os Estados Unidos e Irão, em que recentemente se assistiu a uma escalada da violência verbal e até física, será que é possível prever e antecipar as próximas jogadas dos líderes dos respetivos países? Qual será a estratégia de ambos para o curto/médio prazo?

No xadrez há peças mais importantes que outras. E por vezes sacrifica-se uma peça para tentar chegar a outra mais importante. Esta é a génese do jogo: desequilibrar o adversário.

Para já está claro que o presidente Trump decidiu ir a jogo com o Irão. E com um simples objetivo: capturar o rei, o Ayatolah Khamenei e substituí-lo por alguém mais alinhado com os interesses americanos do petróleo, do nuclear, de Israel e da Arábia Saudita.



Mas o que é engraçado, é que já por várias vezes, Trump se refere ao Irão e aos Iranianos como um grande país, tendo até a ousadia de dizer: “Let’s make Iran great again.” Ou seja, Trump não está atrás dos Iranianos, Trump está atrás do seu líder e do seu sistema político que apelida de terrorista. Recordo que o Irão é a maior Teocracia do mundo, ou por outras palavras, a lei religiosa do Islão faz parte da constituição.

A primeira jogada de Trump foi abandonar o acordo nuclear e infligir sanções económicas ao Irão. Lá está o tal desequilíbrio a acontecer. E embora as sanções criem instabilidade, o Irão tem conseguido defender-se e sobreviver. Porquê? Porque o Irão é um país rico em quase todas as matérias primas e até na produção alimentar é quase auto-suficiente. Para além disso, faz fronteira terrestre com 7 países, por isso é fácil fazer contrabando longe dos olhares dos EUA.



Estando a viver no Irão há dois anos, surpreende-me a calma das pessoas e do cidadão comum perante as sanções económicas e as notícias de possíveis ataques nos jornais. É como se não se passasse nada. Não há corridas aos supermercados, bancos ou aeroporto. Tudo está calmo, as crianças vão à escola e os adultos para o trabalho.

Isto acontece por dois motivos: primeiro porque os peões do jogo do Irão, ou seja, os cidadãos normais, já estão habituados. É como haver notícias de terramotos no Nepal, chacinas em África ou tempestades nas caraíbas. É normal. Em segundo lugar, e este ponto é fundamental, é claro que os iranianos comuns não querem que os americanos venham por aí adentro destruir o país. Mas se uma eventual guerra for uma janela para uma possível mudança política ou revolução, então venha ela. 

Ou seja, os iranianos estão à espreita de uma mudança. Trump sabe disto. E o Ayatolah Khamenei também.

Mas uma revolução interna lança muitas questões. Parece claro pessoas querem essa revolução. Mas a que preço? O preço da guerra? E qual a alternativa ao poder atual? Como seria feita uma transição? Na verdade, a promessa da revolução de 1979 não foi cumprida e hoje possivelmente há mais corrupção do que na altura do Xá da Pérsia. As pessoas não vivem mal, mas querem viver melhor. Os iranianos querem mais qualidade de vida porque sabem que o Irão é um dos países mais ricos do mundo. Estão cansados de ver algumas elites a delapidar a riqueza. E acima de tudo, os iranianos estão cansados da falta de liberdade.

Se houvesse uma guerra (há dúvidas que os EUA a ganharia, independentemente do tempo que demorasse o conflito?) e uma consequente revolução, a questão principal que se colocaria a nível interno no Irão é a seguinte: no dia em que as pessoas forem para as ruas e o exército iraniano vier ao seu encontro, haverá algum soldado com coragem de disparar? Haverá algum soldado iraniano disposto a disparar contra outro cidadão iraniano? É nesse momento que tudo se vai jogar e os incidentes podem tornar-se mais ou menos graves. Entendo agora a importância dos cravos na revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974. É preciso derramar o mínimo de sangue possível. Estes processos de mudança podem criar feridas graves no futuro dos países.

Vamos então fazer um exercício de xadrez com as jogadas dos dois adversários, aquelas que já conhecemos e as que poderão vir a acontecer:

EUA: Trump sai do acordo nuclear e impõe sanções económicas ao Irão. Fortalece os laços com Israel e Arábia Saudita.

Irão: Tenta criar laços com Russia, China e EU e desacreditar os EUA. Internamente reforça as suas defesas e apela aos cidadãos para produzirem e consumirem o que é interno.

EUA: Movimentações bélicas no Golfo Pérsico e reforço da presença americana da região.

Irão: Ataques (?) a petroleiros e drones. (Este ponto para mim não tem explicação, mesmo se tivessem sido os iranianos alguma vez eles iriam lá voltar numa lancha para ir buscar uma mina que não explodiu? Parece que a CIA encontrou passaportes iranianos a boiar na água... alguém acredita nisto?)


E agora começa o futuro:

Opção 1: os dois países, EUA e Irão, sentam-se à mesa e chegam a um acordo. As sanções são levantadas, todos ficam felizes. Já agora uma utopia: O Irão reconhece a importância da liberdade e torna-se uma nova Turquia por exemplo. O Ayatolah mantém-se no poder com credibilidade reforçada.

Opção 2:

EUA: Atacam alvos militares no Irão como radares, instalações de misseis e outros locais suspeitos.

Irão: O Irão ataca forças americanas na região como o porta aviões estacionado no Golfo Pérsico. E para além disso ataca os aliados dos EUA como a Arábia Saudita e Israel. Este é um dos maiores receios de Trump: ataque do Irão a campos petrolíferos dos países do médio oriente. Isto faria os preços do petróleo disparar a pique a criar uma grande instabilidade mundial. Foi por isto que Trump cancelou o ataque a 10 minutos do seu início. Não foi por causa da morte de 150 civis. Foi por causa dos preços do petróleo.

Resto do mundo: condenam os ataques de parte a parte, mas ninguém faz nada, principalmente China, Rússia e EU. Querem ver o que se vai passar, a típica atitude submissa com os EUA desde a Segunda Guerra Mundial. Será que algum dia a divida vai ser paga e ficarão todos quites?

EUA: Com os ataques do Irão a alvos “aliados” no médio oriente, os EUA vêm-se obrigados a atacar Teerão e outras cidades do país com o objetivo de enfraquecer o regime. Imagens chocantes surgem na imprensa de ambos os lados. Todos são santos. Todos são monstros.

Irão: Continuam os ataques ferozes a alvos na região do médio oriente que se podem estender ao Dubai e Kuwait por exemplo. Soldados Iranianos nas regiões montanhosas criam bolsas de resistência. O norte do Irão é igual ao Afeganistão montanhoso: os EUA podem perder-se numa guerra sem fim e custos astronómicos. Há pessoas a manifestar-se nas ruas e pode estar iminente uma revolução fomentada pelas redes sociais.

EUA: Dependente do tempo do processo de guerra há uma eleição à porta. A guerra fortalece ou enfraquece a posição de Trump?  Será que conseguem apanhar o Ayatolah e fazer disso o estandarte da liberdade americana como fizeram com Saddam ou Bin Laden?

E fico-me por aqui… porque só consigo prever duas jogadas e porque não é possível antecipar o desenrolar dos acontecimentos num mundo tão complexo como o de hoje e com tanta disponibilidade de informação.

Qualquer que seja o futuro não parece vir aí nada de bom. Mas estando a viver no Irão esta é uma situação que me assusta e me custa a compreender. O Irão tem certamente muitos problemas e muito a melhorar, mas o que estão os EUA a fazer na região há tantos anos? Que direito têm de implementar bases militares, invadir países etc será que os países do médio oriente não se conseguem sentar à mesa e resolver os seus próprios problemas?

Xeque-Mate.