Por esta altura, no ano passado,
embarquei numa viagem rumo à Ásia. Foi no dia 23 de Janeiro de 2015.
Nessa madrugada, acordei na
Pensão Milanesa situada nos Restauradores, baixa de Lisboa. Ali tinha vivido os
últimos 5 meses da minha vida. Entre finais de Agosto de 2014 e Janeiro de 2015.
Numa residência de estudantes Erasmus de várias nacionalidades. Todos na casa
dos 24/25 anos.
Nesta altura eu vivia várias
vidas. Todas numa só e todas em harmonia.
Durante esses 5 meses, no final
de 2014, a minha rotina semanal era mais ou menos assim:
De Segunda a Quarta trabalhava
numa quinta no Alentejo. Na zona de Vendas Novas. Começava Segunda-feira pelas
7 da manhã e ali ficava até Quarta-feira por volta das 17 horas.
Eram 3 dias de muito trabalho. Duro
e intenso. Fosse a carregar lenha ou a tentar correr atrás de bezerros recém-nascidos
para lhes colocar uma etiqueta na orelha, ao mesmo tempo que a mãe nos tentava
dar cornadas.
Quase todos os dias almoçava duas
bifanas no Horta e Bolota. Um restaurante na estrada de Vendas Novas. Quando as
empregadas vinham receber o pedido, tapavam o nariz. Muitas vezes eu cheirava a
diarreia dos bezerros, praga comum nos recém-nascidos. Andava de calças velhas
e sweat shirts rotas. Também costumava
andar de gorro porque o meu cabelo estava sujo e oleoso devido ao suor e ao pó
da terra. O retrato perfeito de um camponês.
Foram tempos muito bons estes na
quinta. Nada se compara a guiar um tractor a uma Segunda-feira de manhã. No
meio de um montado alentejano para ir alimentar o gado. A ver o nascer do sol e
a sentir o frio da madrugada que pela manhã se vai esvanecendo.
Dormia feliz num anexo sem televisão
e internet. Com um aquecedor e uma cómoda ao lado da cama. Ia para a cama por
volta das 22 horas. A austeridade no seu esplendor.
Quarta-feira à noite ia para
Lisboa e começava outra vida.
Ficava a dormir na tal Pensão
Milanesa, a residência de estudantes situada em plena Praça da Alegria, junto
aos Restauradores.
Foi uma experiência muito forte e
enriquecedora. Fiz grandes amizades com pessoas livres, divertidas e
interessantes. Principalmente franceses. Pessoas com um espirito generoso, simples
e uma excelente base de conhecimentos em várias áreas. Quem diz que os mais
novos não sabem nada?
E fartávamo-nos de fazer coisas e
passear!
Por vezes, saiamos de Lisboa durante
três ou quatro dias fora e viajávamos por Portugal inteiro de norte a sul.
Caminhamos sozinhos em praias desertas na zona de Vila Nova de Mil Fontes e
subimos à Torre na Serra da Estrela. Fomos ao Porto e vimos as ondas gigantes
na Nazaré. Muitas vezes, eu era o guia e lá ia mostrando o meu país com
orgulho. Mas também fui a sítios que nunca tinha ido.
No solstício inverno, dia 21 de
Dezembro de 2014, fomos ao cais palafítico na Comporta e vi o por do sol mais
bonito da minha vida.
Às Quintas-feiras, costumávamos
íamos para um Bar na Mouraria e dançávamos com alegria num ambiente a fazer
lembrar um bar mexicano misturado com santos populares. Tínhamos sempre o nosso
cantinho para onde atirávamos os casacos e as malas. E o grupo rapidamente se
alargava com pessoas que íamos conhecendo ou os meus amigos portugueses que se
iam juntando.
Na residência, era como morar num
manicómio intercultural. Várias línguas a serem faladas, histórias, gritos e
gargalhadas. Não havia casas de banho privadas. Apenas 3 no corredor. Partilhadas
por 12 selvagens. O consumo diário de papel higiénico andava nos 400 rolos. Na
banheira, o pé-de-atleta era tratado por tu.
A cozinha era o espaço comum e lá
nos encontrávamos e convivíamos.
No lava-loiça, os pratos
acumulavam-se por vezes a alturas mais altas que o Evereste.
A toalha da mesa, cheia de marcas
de chávenas e queimaduras de cigarro, estava habitualmente coberta dos mais
variados objetos. Copos, cinzeiros, headphones, telemóveis, mapas, livros,
comida do dia anterior ou algo tão bizarro como um duende de porcelana. Um moleskine aberto mostrava um texto ou
desenho de alguém.
Uma vez o frigorífico começou a cheirar
mal. Um saco de carne picada putrificava há vários dias nas prateleiras. O
cheiro era tão forte que ainda hoje me pergunto como não atraímos abutres ou o
pessoal de alguma agência funerária.
E apesar de todos estes ataques
directos à ASAE vivíamos bem. A felicidade fazia o ambiente e não o contrário.
Nestes dias em Lisboa, também
frequentava as aulas de piano e pintura durante várias horas. Desde Janeiro de
2014 que tinha começado a praticar e andei o ano todo a cultivar a aprendizagem
destas artes.
A excitação apoderava-se de mim
nesses momentos. Estava realmente a aprender algo novo. Algo que me permitia expressar
as emoções de forma diferente e passar um tempo de verdadeira qualidade e
satisfação.
Estava tão interessado no
processo artístico, que no inicio de 2014, iniciei o Blog Artes e Tartes. Um
espaço dedicado a compreender o que é a arte e como se forma um artista. De
onde vem a inspiração.
Depois, aos sábados ia para a
casa do meu pai ao pé de troia e lá ficava a organizar as minhas papeladas, a
pintar, a praticar piano, correr, andar de bicicleta e descansar um pouco
também.
A Segunda-feira estava a chegar e
tudo ia recomeçar outra vez.
Antes destes 5 meses, e durante
2014, tinha andado muito focado nas tais artes e também no trabalho agrícola em
Portugal. Fui a vários congressos, formei uma sociedade agrícola e visitei
muitas quintas em Portugal. Estava determinado a conhecer o sector e a tentar
investir nele. Essa vontade ainda se mantém.
Em 2013, tinha terminado a minha
Licenciatura em Agricultura em Inglaterra. No Royal Agricultural College em
Cirencester. Foram dois anos a aprender tudo do zero e onde mais uma vez fiz
vários amigos estrangeiros. Também passei muito tempo sozinho o que foi bom
porque estudei, li e cultivei-me bastante. Acabei o curso com boas notas e
acabei por me envolver em alguns projetos de investigação.
Na Universidade de Agricultura
também fazia muito desporto. Fui o treinador e capitão da equipa de futebol de
11, mas também tinha que lavar os equipamentos. Aos domingos de manhã, ia para
uma lavandaria no centro da vila, punha moedas em 3 máquinas e ficava ali
sentado a estudar, enquanto os equipamentos todos suados e enlameados rodavam violentamente
no tambor. Depois de lavar, colocava os equipamentos encharcados para secar. 15
calções, 15 t-shirts e 15 pares de meias. As máquinas de secar abanavam tanto
que pareciam estar vivas e querer sair a correr rua fora.
Conseguimos não acabar em último
e ainda marquei uns golos. Mas foi nessa altura que percebi que o fulgor da
juventude já não era o mesmo. Aos 30 anos, é simplesmente impossível correr
atrás de miúdos de 18!
Como não tinha muito dinheiro, só
almoçava fora da cantina duas vezes por semana. Uma vez ia comer peixe ao
restaurante de sushi no centro de Cirencester e na outra um bife com batatas
fritas a um restaurante chamado Made by
Bob. Eram momentos de felicidade. A qualidade da cantina da universidade
era precária e dei por mim a comprar regularmente chocolates, batatas fritas e
bolachas para ter na gaveta da mesa de cabeceira. Passei momentos decadentes a
comer chocolates e a fazer streaming dos jogos do Benfica. Enquanto o inverno
Inglês fazia das suas lá fora.
No verão de 2012, a meio do curso,
decidi que precisava de reforçar o meu conhecimento do trabalho no terreno e
fui trabalhar para uma quinta na Austrália. Em Stanhope, Victoria State. Uma
terra no meio do nada a 6 horas de autocarro de Melbourne. Uma coisa era fazer
exames na Universidade e trabalhos de grupo. Outra era ir para o terreno.
Foi a minha primeira experiência
numa quinta e correu tudo muito bem. Mais uma vez em regime de muito trabalho e
pouco conforto. Fiz muitos amigos e aprendi coisas novas. De madrugada, pelas 5
da manhã, e ao final da tarde, ia buscar as vacas para a sala da ordenha. Ordenhar
é uma das rotinas mais duras que vi na minha vida. Faço uma vénia a quem está
no sector e luta todos os dias para ganhar uma margem ridícula…
No resto do dia fazia as várias
rotinas de uma quinta: fazer vedações, cortar lenha, semear campos e matar
galinhas.
Nesses dois meses também
aproveitei para visitar Sidney e outros países da região como a Malásia e a
Indonésia. Um bom amigo local, que tinha conhecido nesse ano em Inglaterra,
recebeu-me na sua casa em Jacarta. Fui recebido como um rei. E enquanto a sua família
estava no ramadão eu era presenteado com verdadeiros banquetes. Vi o jogo
Portugal-Espanha, da meia-final do Euro 2012, numa casa perdida algures em
Bali. Assisti a um casamento vestido a rigor.
Na altura que acabei o tal curso
de Agricultura em 2013, decidi ir conhecer a América do Sul.
Primeiro para trabalhar durante
um mês. Numa quinta na Argentina. E depois para conhecer o continente de ponta
a ponta.
A Mafalta era uma quinta situada
a algumas horas norte de Buenos Aires. E apesar de ser um local dominado por um
dono tirano, foi um local onde voltei a ter grandes experiências. Íamos ao
campo apanhar cavalos selvagens, matávamos porcos para comer, fazíamos pão
todos os dias e foi também lá que comecei a desenvolver o gosto pelas artes. As
paredes dos quartos, da cozinha e da casa-de-banho da quinta estavam repletas
de desenhos, pinturas e frases inspiradoras.
Estávamos em Setembro de 2013. E
depois de 25 dias na tal quinta da Malfata, viajei com o meu irmão e mais um
amigo por todo o continente Sul-Americano. Vimos a Garganta del Diablo nas
cataratas do Iguaçu. Navegamos junto ao farol do fim do mundo no Canal de
Beagle em Ushuaia. Visitamos as casas do poeta Neruda no Chile. Descemos a
estrada da morte, de bicicleta, em La Paz na Bolívia. Vimos o nascer do sol no
Salar do Uyuni. Subimos até à cidade perdida de Machu Pichu no Perú.
Foi uma viagem muito marcante.
Tive momentos que despertaram em mim uma maior consciência social e por tudo o
que nos rodeia, o gosto pelas artes, um maior auto-conhecimento e respeito pela
natureza. Foi uma viagem de descoberta. A melhor da minha vida.
Entre 2004 e 2011, durante os
anos de trabalho em multinacionais, aproveitava as férias e viajei para outros
locais do mundo como o Sri Lanka, o Omã, Polónia ou Bulgária.
Em 2006 fui de carro até
Marraquexe em Marrocos.
Ainda em 2006 ganhei um prémio de
vendas na empresa em que trabalhava e fui ver um jogo do Mundial na Alemanha. O
Portugal-Inglaterra dos quartos do final. Partimos numa sexta de manhã e
voltamos domingo. 50 horas seguidas acordado e uma tarde gloriosa de futebol em
que o Ronaldo arrancou a expulsão do Wayne Rooney, e passou a ser odiado em
todos os estádios Ingleses.
Em 2004 fiz um interrail sozinho
pela Europa. Uma epopeia de comboio que me levou a lugares míticos como
Amesterdão, Berlim ou Praga. Conheci pessoas estranhíssimas em lugares estranhíssimos.
Quando se viaja sozinho, todos os malucos vêm ter connosco.
Em 2003, vivi 6 meses na Dinamarca
ao abrigo do programa Erasmus. Foi a primeira que vez que morei sozinho. 6
meses surreais com bastante festa, mas onde também me deu para conhecer a
mentalidade e cultura Escandinavas. Algo com o qual ainda hoje me identifico e
faz parte de mim. A igualdade social do welfare
state e o civismo das pessoas marca qualquer um. Depois têm a falta de sol
mas isso é outra história. Nós temos a mais. E isso também pode fazer mal.
O meu pai sempre cultivou o gosto
de viajar em família e mais ou menos de 3 em 3 anos, entre 2000 e 2009,
levou-nos a fazer 3 viagens. A primeira foi ao Brasil, depois à Croácia e a
última um raid pelo Báltico: Suécia, Finlândia, Estónia e Rússia. Visitei o
grande Hermitage em São Petesburgo e
vi o sol durante a noite em Estocolmo.
No verão de 2002 fui trabalhar
para uma empresa em Madrid. 2 meses sozinho enquanto o verão se festejava em
Portugal. Na altura o currículo é que interessava. Visitei os grandes museus de
Madrid e o Convento do Escorial a norte da cidade. Sem palavras. Tirei uma foto
com a Taça da Liga dos Campeões que o Real Madrid acabara de ganhar com um
grande golo de Zidane.
Por outras ocasiões, fosse em
trabalho ou com família e amigos visitei, Paris, Barcelona, Genebra, Roma,
Londres e Bruxelas. Ando nestas cidades completamente à vontade e conheço os
principais pontos de referência como restaurantes, estações de comboio,
monumentos. Já fui aos Açores e Madeira.
Tal como ficava à espera dos reports do Nepal, vou ficar à espera do "to be continued" ;-)
ResponderExcluirIsabel Victória