quarta-feira, 26 de junho de 2019

O xadrez do conflito EUA-Irão.


Nunca fui bom a jogar xadrez. Sei os movimentos básicos e ganho aqui a ali a uns nabos que se apresentam à mesa numa noite de verão. Ou então se estiver numa fase de maior inspiração. A verdade é que também nunca pratiquei muito. Mas a principal razão por que não sou bom no xadrez é porque neste jogo é preciso prever três ou quatro jogadas à frente. Eu consigo talvez duas.

No conflito entre os Estados Unidos e Irão, em que recentemente se assistiu a uma escalada da violência verbal e até física, será que é possível prever e antecipar as próximas jogadas dos líderes dos respetivos países? Qual será a estratégia de ambos para o curto/médio prazo?

No xadrez há peças mais importantes que outras. E por vezes sacrifica-se uma peça para tentar chegar a outra mais importante. Esta é a génese do jogo: desequilibrar o adversário.

Para já está claro que o presidente Trump decidiu ir a jogo com o Irão. E com um simples objetivo: capturar o rei, o Ayatolah Khamenei e substituí-lo por alguém mais alinhado com os interesses americanos do petróleo, do nuclear, de Israel e da Arábia Saudita.



Mas o que é engraçado, é que já por várias vezes, Trump se refere ao Irão e aos Iranianos como um grande país, tendo até a ousadia de dizer: “Let’s make Iran great again.” Ou seja, Trump não está atrás dos Iranianos, Trump está atrás do seu líder e do seu sistema político que apelida de terrorista. Recordo que o Irão é a maior Teocracia do mundo, ou por outras palavras, a lei religiosa do Islão faz parte da constituição.

A primeira jogada de Trump foi abandonar o acordo nuclear e infligir sanções económicas ao Irão. Lá está o tal desequilíbrio a acontecer. E embora as sanções criem instabilidade, o Irão tem conseguido defender-se e sobreviver. Porquê? Porque o Irão é um país rico em quase todas as matérias primas e até na produção alimentar é quase auto-suficiente. Para além disso, faz fronteira terrestre com 7 países, por isso é fácil fazer contrabando longe dos olhares dos EUA.



Estando a viver no Irão há dois anos, surpreende-me a calma das pessoas e do cidadão comum perante as sanções económicas e as notícias de possíveis ataques nos jornais. É como se não se passasse nada. Não há corridas aos supermercados, bancos ou aeroporto. Tudo está calmo, as crianças vão à escola e os adultos para o trabalho.

Isto acontece por dois motivos: primeiro porque os peões do jogo do Irão, ou seja, os cidadãos normais, já estão habituados. É como haver notícias de terramotos no Nepal, chacinas em África ou tempestades nas caraíbas. É normal. Em segundo lugar, e este ponto é fundamental, é claro que os iranianos comuns não querem que os americanos venham por aí adentro destruir o país. Mas se uma eventual guerra for uma janela para uma possível mudança política ou revolução, então venha ela. 

Ou seja, os iranianos estão à espreita de uma mudança. Trump sabe disto. E o Ayatolah Khamenei também.

Mas uma revolução interna lança muitas questões. Parece claro pessoas querem essa revolução. Mas a que preço? O preço da guerra? E qual a alternativa ao poder atual? Como seria feita uma transição? Na verdade, a promessa da revolução de 1979 não foi cumprida e hoje possivelmente há mais corrupção do que na altura do Xá da Pérsia. As pessoas não vivem mal, mas querem viver melhor. Os iranianos querem mais qualidade de vida porque sabem que o Irão é um dos países mais ricos do mundo. Estão cansados de ver algumas elites a delapidar a riqueza. E acima de tudo, os iranianos estão cansados da falta de liberdade.

Se houvesse uma guerra (há dúvidas que os EUA a ganharia, independentemente do tempo que demorasse o conflito?) e uma consequente revolução, a questão principal que se colocaria a nível interno no Irão é a seguinte: no dia em que as pessoas forem para as ruas e o exército iraniano vier ao seu encontro, haverá algum soldado com coragem de disparar? Haverá algum soldado iraniano disposto a disparar contra outro cidadão iraniano? É nesse momento que tudo se vai jogar e os incidentes podem tornar-se mais ou menos graves. Entendo agora a importância dos cravos na revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974. É preciso derramar o mínimo de sangue possível. Estes processos de mudança podem criar feridas graves no futuro dos países.

Vamos então fazer um exercício de xadrez com as jogadas dos dois adversários, aquelas que já conhecemos e as que poderão vir a acontecer:

EUA: Trump sai do acordo nuclear e impõe sanções económicas ao Irão. Fortalece os laços com Israel e Arábia Saudita.

Irão: Tenta criar laços com Russia, China e EU e desacreditar os EUA. Internamente reforça as suas defesas e apela aos cidadãos para produzirem e consumirem o que é interno.

EUA: Movimentações bélicas no Golfo Pérsico e reforço da presença americana da região.

Irão: Ataques (?) a petroleiros e drones. (Este ponto para mim não tem explicação, mesmo se tivessem sido os iranianos alguma vez eles iriam lá voltar numa lancha para ir buscar uma mina que não explodiu? Parece que a CIA encontrou passaportes iranianos a boiar na água... alguém acredita nisto?)


E agora começa o futuro:

Opção 1: os dois países, EUA e Irão, sentam-se à mesa e chegam a um acordo. As sanções são levantadas, todos ficam felizes. Já agora uma utopia: O Irão reconhece a importância da liberdade e torna-se uma nova Turquia por exemplo. O Ayatolah mantém-se no poder com credibilidade reforçada.

Opção 2:

EUA: Atacam alvos militares no Irão como radares, instalações de misseis e outros locais suspeitos.

Irão: O Irão ataca forças americanas na região como o porta aviões estacionado no Golfo Pérsico. E para além disso ataca os aliados dos EUA como a Arábia Saudita e Israel. Este é um dos maiores receios de Trump: ataque do Irão a campos petrolíferos dos países do médio oriente. Isto faria os preços do petróleo disparar a pique a criar uma grande instabilidade mundial. Foi por isto que Trump cancelou o ataque a 10 minutos do seu início. Não foi por causa da morte de 150 civis. Foi por causa dos preços do petróleo.

Resto do mundo: condenam os ataques de parte a parte, mas ninguém faz nada, principalmente China, Rússia e EU. Querem ver o que se vai passar, a típica atitude submissa com os EUA desde a Segunda Guerra Mundial. Será que algum dia a divida vai ser paga e ficarão todos quites?

EUA: Com os ataques do Irão a alvos “aliados” no médio oriente, os EUA vêm-se obrigados a atacar Teerão e outras cidades do país com o objetivo de enfraquecer o regime. Imagens chocantes surgem na imprensa de ambos os lados. Todos são santos. Todos são monstros.

Irão: Continuam os ataques ferozes a alvos na região do médio oriente que se podem estender ao Dubai e Kuwait por exemplo. Soldados Iranianos nas regiões montanhosas criam bolsas de resistência. O norte do Irão é igual ao Afeganistão montanhoso: os EUA podem perder-se numa guerra sem fim e custos astronómicos. Há pessoas a manifestar-se nas ruas e pode estar iminente uma revolução fomentada pelas redes sociais.

EUA: Dependente do tempo do processo de guerra há uma eleição à porta. A guerra fortalece ou enfraquece a posição de Trump?  Será que conseguem apanhar o Ayatolah e fazer disso o estandarte da liberdade americana como fizeram com Saddam ou Bin Laden?

E fico-me por aqui… porque só consigo prever duas jogadas e porque não é possível antecipar o desenrolar dos acontecimentos num mundo tão complexo como o de hoje e com tanta disponibilidade de informação.

Qualquer que seja o futuro não parece vir aí nada de bom. Mas estando a viver no Irão esta é uma situação que me assusta e me custa a compreender. O Irão tem certamente muitos problemas e muito a melhorar, mas o que estão os EUA a fazer na região há tantos anos? Que direito têm de implementar bases militares, invadir países etc será que os países do médio oriente não se conseguem sentar à mesa e resolver os seus próprios problemas?

Xeque-Mate.


sexta-feira, 17 de maio de 2019

Nepal 2019 - Voltar hoje e sempre!

O meu coração palpitava de alegria, no momento em que voltei a aterrar em Kathmandu, no passado dia 11 de abril de 2019. Desta vez o plano era ficar 1 mês.


Ainda estou à espera do dia em que ir ao Nepal deixe de fazer sentido. Já passaram 4 anos do grande terramoto de 25 de abril de 2015, e por isso seria normal que algumas dúvidas surgissem no momento de regressar.

Normalmente, quando voltamos a um sítio onde já fomos felizes, não conseguimos recuperar as emoções e as vivências dos tempos passados. Já não estão lá as mesmas pessoas com quem convivemos e nós próprios mudamos com o passar do tempo. A nostalgia toma conta de nós e é preciso virar a página e rumar a novos destinos.

Neste momento o Campo Esperança já não existe. Já não faço parte do movimento Obrigado Portugal. As crianças estão a crescer e alguns já são adultos. Muitos dos meus amigos do Hotel Dwarikas seguiram as suas vidas e já não tenho contacto com eles. Na vila de Bistagaon as coisas também mudaram e algumas amizades perderam-se com o tempo.

Então porquê voltar? Que energia é esta que me leva a voltar ao Nepal todos os anos? Que sentimento é este que continua a crescer e que traz tanto retorno e realização?

Há duas razões que me fazem voltar.

Em primeiro lugar a relação com as pessoas do Nepal. A natureza simples e afável dos Nepaleses continua a ser uma fonte de inspiração e enche-me o coração. As amizades que eu e a Ghazal fizemos solidificaram-se e com o passar dos anos, temos mais coisas em comum com os nossos amigos. Há certezas, respeito e confiança.

Encontro-me com o Parmeshor de Bistagaon e damos um abraço. A vida profissional dele não está fácil e está a pensar mudar-se para o médio oriente em busca de novas oportunidades. O Sameer, também da vila de Bistagaon, cresce a olhos vistos e está a mudar de voz. Quando o conhecemos tinha 10 anos e agora é um adolescente de 14 cheio de sonhos e expetativas. Diz-me que gosta de Juventus e o Real Madrid não está a fazer uma boa época. Pergunto-lhe pelas notas da escola. Estamos a pagar-lhe a educação e queremos que ele sinta exigência do nosso lado. Se continuar a aplicar-se e a ser um bom aluno estamos com ele até ao fim. Já não vamos a casa do Bablu e da Ruska. O destino não quis que a nossa amizade se mantivesse. Não vou revelar o que aconteceu, mas nestas idas ao Nepal e no trabalho social nem tudo são rosas e arco-íris. E quando se perde a confiança em alguém ficamos magoados. Podemos perdoar, mas é melhor cada um seguir o seu caminho. 



Vamos a casa dos nossos amigos Sherpas que moravam no Campo Esperança e somos recebidos como família. Uma casa humilde em Jorpati onde moram a Phurpa, Tashi, Passang, Karmu, Alia e o Tenzing. Quatro irmãs, um irmão e uma bebé. Os pais estão na vila de Yarmasing nos Himalaias e a Phurpa diz-me que a mãe Mingmar, reza por nós todos os dias. Perguntam pelo Vicente e nós prometemos trazê-lo no próximo ano. Almoçamos Dal Bat (arroz com lentilhas), sentados no chão, falamos, rimos e tiramos fotografias. A seguir ao almoço vem a preguiça e adormeço encostado a uma almofada. Também os estamos a ajudar com algumas despesas da casa e educação.


Encontramo-nos na Stupa de Boudha com as crianças do Campo Esperança. Os inseparáveis Bimal, Passang e Tashi. As melhores amigas Doma, Sneha e Lakpa. Desta vez a Simran também veio. Está tão crescida!! A Binita também deu um grande salto e olha quem está cá, é a Dabuti!! Já não a via há tanto tempo! No Campo éramos os melhores amigos. Lembro-me de ir ao centro da cidade comprar filmes da Disney e assistíamos aos mesmos numa das tendas do Campo. Eu não olhava para o filme. Preferia olha para a cara dela a ver a Branca da Neve ou a Alice no País das Maravilhas. Queremos ajudar a suportar a educação destes miúdos e arranjar bolsas de estudo para a universidade. O sonho deles é ter uma educação superior. Não vamos descansar enquanto os sonhos deles não se concretizarem. Há 4 anos falava com estes miúdos e as conversas tinham um tom mais simples e infantil. Hoje falamos da vida, do futuro e dos problemas de crescer. Eles chamam-me irmão e isso faz-me sentir borboletas no estômago. Nunca os vou abandonar.



Vistamos a escola Mount Kalaish a 30 minutos do centro de Kathmandu. É lá que estudam 12 crianças que também estavam no Campo Esperança. Chegamos e somos recebidos com abraços efusivos pela Mingmar, Tenzing, Krishna e Pema. Perguntamos como estão a ser tratados pelo diretor e o resto dos colegas. Às vezes há maus tratos nestas escolas e queremos garantir que tudo está bem. Vamos a uma mercearia nas redondezas e compramos tudo o que precisam. Sabonetes, champô, redes mosquiteiras, material escolar e tudo o resto que necessitem. Só os visitamos uma vez por ano, mas mantemos contacto regular via internet. Quando saímos da escola as lágrimas vêm-nos aos olhos. Se pudéssemos levávamos estes miúdos todos para casa e tomávamos conta deles.




 Vamos a Thaiba no sul de Kathmandu e visitamos os dois orfanatos que estamos a apoiar. Ao todo 22 crianças que já não têm famílias e foram vítimas de maus tratos ou trabalho infantil. Estas crianças são de uma humildade e simplicidade extrema. Estão sempre a sorrir, dançar e agradecer. Na escola têm as notas máximas e estão sempre limpos e bem vestidos. Uma raridade no Nepal. Também estamos com eles até ao fim. No ano passado ajudámos com os uniformes da escola, eletrodomésticos, dentistas e até com as rendas dos prédios em que moram. Num dos dias, fomos todos comer pizza e gelado e uma das crianças disse “Este é um dos melhores dias da minha vida.”





No Hotel Dwarikas, somos recebidos pela Ambica, Sangita e Vijay como membros da família. É um dos melhores hotéis de Kathmandu e ali sentimo-nos verdadeiramente em casa. Os empregados abraçam-nos e recordamos os velhos tempos do terramoto. O Alpha, Bikendra, Maesh e Sajan já não estão no hotel, mas ainda nos rimos e conversamos muito com o Pravin, o Shiva, a Mako, o Guruji, o Keshav, o Milan, o Ram e a Anu. Também querem saber tudo sobre o Vicente. As nossas conversas são sinceras e afáveis. O hotel está em alvoroço porque o Vijay vai casar com a Shavona, uma princesa do Nepal. A Ghazal recebe um Saree especial para vestir num dos dias do casamento. Uma honra reservada apenas a pessoas da família. O casamento divide-se em duas partes. No casamento cristão em Dhulikhel, são 200 convidados e há uma estrutura impressionante montada no topo do resort. Há amor no ar e as pessoas estão felizes. O Vijay convida-me para fazer o discurso inicial do casamento. Mais uma grande honra que me enche o coração e a alma. Depois há o casamento Hindu em Kathmandu e os nossos sentidos são assaltados por música, cores, tradições, cheiros intensos e mais uma vez amor. Amor em tudo o que vemos e nos rodeia. Que dias memoráveis.






Vamos a Thamel e passeamos nos labirintos como dois turistas que acabaram de chegar à cidade pela primeira vez. Perdemo-nos nos becos, visitamos lojas de trekking, vemos música ao vivo e vamos aos restaurantes Or2k, Shavis e Places. Temos amigos em todo o lado e até alugamos uma scooter para fugirmos ao trânsito caótico de Kathmandu. Adoramos Thamel, o distrito mais cool de toda a Ásia.



O segundo motivo que me faz voltar ao Nepal são as montanhas. Os Himalaias são para mim o sítio mais bonito do mundo e tenho desenvolvido uma obsessão saudável pelo trekking e escalar os seus picos. Desta vez propus-me a voltar ao Evereste Base Camp e a escalar o Island Peak, uma montanha de 6200 metros com bastantes obstáculos técnicos que já envolve atravessar desfiladeiros, o uso de cordas e crampons nas botas. Felizmente correu tudo bem e cheguei ao pico da montanha. Não tenho palavras para o sentimento de andar no meio destes vales nos Himalaias. Avistar o Evereste, Lothse, Ama Damblan, Pumori e Nuptse e seguir as pegadas dos grandes aventureiros do passado, cria em mim uma euforia própria das grandes aventuras e descoberta do desconhecido. Está muito frio e há falta de oxigénio, mas ali sinto-me bem e feliz. 



Este ano decidi aliar a escalada a uma recolha de fundos para um dos orfanatos que estamos a apoiar, o Sharadas Shelter for Children. Queria recolher 3000€ e acabei por conseguir 4200€. As pessoas continuam a acreditar nos projetos que estamos a apoiar e por isso não me escondo e dou a cara. A iniciativa que eu e a Ghazal fundámos, Dreams of Kathmandu, continua a crescer e isso só é possível com o apoio de muita gente. Estamos para ficar. Não somos nenhuma ONG ou Fundação. Somos apenas pessoas apoiar outras pessoas. 100% dos fundos recolhidos são para os projetos e para as pessoas. Isto não é negociável.



Estes são os motivos que me fazem continuar a voltar ao Nepal. O amor das pessoas e a beleza natural do país fazem-me sentir em casa e queremos voltar todos os anos das nossas vidas. Não vamos abandonar os nossos amigos e não vamos viver do que já foi feito no passado. Vamos assumir as nossas responsabilidades, construir um futuro e continuar a cultivar estas amizades que tanta alegria nos proporcionam.

Até para o ano e continuem a acompanhar todos os nossos projetos em https://dreamsofkathmandu.blogspot.com/

terça-feira, 9 de abril de 2019

Every Kid Deserves a Home - Reflexões sobre uma nova aventura



Uma manhã em Teerão

São 8 da manhã e ligo a Vespa. O destino são as aulas de Persa na Universidade de Teerão. Dá-me a sensação que quanto mais aprendo, cada vez sei menos. Está um frio de rachar e o trânsito é caótico. A capital do Irão é uma das maiores cidades do mundo e há milhões de pessoas a caminho dos seus empregos ou a deixar os filhos na escola.

(fogo está mesmo frio, que bela ideia comprar a mota hein bravo mais um dia de aulas será que algum dia vou conseguir falar persa como deve ser?)

Entro na autoestrada e observo as montanhas cheias de neve que guardam o extremo norte de Teerão. Parecem a muralha de um castelo. Gosto de olhar em meu redor e pensar naquilo que me trouxe aqui. Nos caminhos da vida e nas escolhas que fazemos. Como tudo é tão imprevisível. Passamos a vida a planear e a controlar, mas no fundo, o passado e o futuro não nos pertencem, apenas o presente e o agora.

(cuidado nesta descida há algum gelo epah olha-me este tipo em sentido contrário vai levar com uma buzinadela acorda senhor como será que se diz “buzinadela” em persa?)




A Ghazal e o pequeno Vicente ainda estavam a dormir quando saí de casa. Às vezes, a Ghazal acorda com o barulho da máquina do café e vem à sala despedir-se. Muitas vezes já tenho o capacete posto e beijamo-nos através da viseira. Conforta-me saber que a minha família está em segurança.

(é amanhã ou depois de amanhã o médico do Vicente? esqueci-me de comprar as gotas para as cólicas, a Ghazal vai-me matar)


Em sentido contrário, assusta-me pensar que nem todas famílias no mundo podem ter este sentimento de proteção. Uma casa quente ou comida no frigorífico. Aquilo que damos como garantido, é uma incerteza para outros mais frágeis. Podemos virar a cara ao mundo que nos rodeia e viver de consciência tranquila? Vem-me à mente o Nepal.

(nesta altura do ano em Kathmandu está tanto frio os miúdos devem sofrer a lavar cara de manhã com a água gelada será que hoje têm pequeno almoço?)

Começo a rebobinar tudo o que está por fazer. É necessário comprar materiais para as construções das vilas nas montanhas. É preciso pagar dentistas e consultas médicas. O novo ano letivo está prestes a começar e é necessário comprar uniformes e livros escolares. Entretanto querem despejar dois orfanatos que tenho estado a apoiar nos últimos dois anos.

(onde vou arranjar os fundos para as rendas dos orfanatos? e se eu desistir do Nepal? toda a gente vai compreender tenho tantos planos novos e se trouxesse o negócio dos pasteis de nata para o Irão? tem juízo pedro agora vais ser pasteleiro queres ver nem sabes dizer “massa folhada” em persa)

Todos os dias nos últimos 4 anos, lá vem o Nepal desaguar na minha mente. O mais fácil seria ignorar o chamamento. É tão longe e já passou tanto tempo. Ninguém se lembra. O melhor seria esconder-me atrás da obra feita ou de algumas bolhas nos pés. Não posso cair nessa armadilha. Ainda há muito por fazer. É uma questão de ética e princípios. Somos o que fazemos, não o que dizemos.

O projeto Dreams of Kathmandu foi criado por mim e pela minha mulher, Ghazal, para dar resposta a estas perguntas. Queremos concretizar os sonhos dos nossos amigos nepaleses, aplicando a 100% os fundos que recebemos. Uma vez por ano viajamos para o Nepal de modo a acompanhar os projetos. Podem consultar tudo em https://dreamsofkathmandu.blogspot.com/ 


Chego à Universidade e estaciono a mota num canto da garagem. O segurança é meu amigo e cumprimenta-me efusivamente. Pensa que sou primo do Carlos Queirós. Ele é muito simpático, mas tenho receio de lhe dizer olá. O senhor tem tanta eletricidade estática que quando lhe aperto a mão, ele dá choques elétricos.

(olha lá vem ele todo contente a abanar a cabeça vou fingir que estou ao telemóvel salam estou sim? olá então tudo bem onde é que estás? sim sim claro já aí vou como é que será que se diz “electricidade estática” em persa)

Ao subir as escadas para a última aula do trimestre, já sinto um misto de excitamento e alegria. Está na hora de voltar ao Nepal e viver mais uma grande aventura.

(espero que o Japonês não se sente ao meu lado, já tentei tudo e não consigo comunicar com ele o que vale é que já vêm aí os exames e se fizesse mais um fund raising para o Nepal nas férias? mas já nem tenho facebook)

Uma aventura solidária

No dia 25 de Abril de 2019, data do 4º aniversário do terramoto que assolou o Nepal, vou subir ao topo do Island Peak, uma das montanhas dos Himalaias no Nepal com cerca de 6200 metros. O trekking demorará cerca de 15 dias através das montanhas dos Himalaias, passando pelo Evereste Base Camp a 5364 metros.

A aproximação ao pico final, com 6200 metros, consiste numa parede quase vertical de 150 metros de altura seguido de um desfiladeiro muito estreito com precipícios à esquerda e à direita. Podem perceber a magnitude do desafio no link https://www.youtube.com/watch?v=-DGDLIumpYg&t=5s 





O objetivo principal desta escalada é fazer uma recolha de fundos para dar uma casa nova às 15 crianças do Sharadas Shelter for Children, um orfanato no centro de Kathmandu destruído após o terramoto. Para completar o novo edifício onde vão morar, são necessários 3000€. 




Every Kid Deserves a Home. Este é o nome da campanha que estou a lançar. O nome de todos os doadores será escrito numa das paredes do orfanato.

Se sentirem que vale a pena ajudar e seguir esta aventura podem fazê-lo através do IBAN PT50 003300000098021915378 ou no link https://www.gofundme.com/every-kid-deserves-a-home

Neste link irei fazer relatos diários desta grande epopeia que se inicia já no dia 11 de abril com a chegada a Kathmandu.

Se puderem também partilhar este mesmo link com os vossos amigos, família e nas redes sociais seria uma grande ajuda.

Com gratidão e abraços,

Think about it!

(pronto já está lançada a campanha devo estar louco mas sei que vou conseguir chegar lá cima e ajudar os miúdos “louco” em Persa diz-se divone)

segunda-feira, 25 de março de 2019

Maratona de Barcelona 2019.

Hoje o Blog dos Bosques volta a apresentar novos relatos sobre a maratona.

No passado domingo, dia 10 de Março de 2019, compareceram 20.000 atletas em Barcelona para correr os 42 kms da prova rainha e eu era um deles.

Mais uma maratona épica e um dia para recordar e contar aos netos.


Foi um dia perfeito. 

O clima estava perfeito. 

O percurso foi perfeito. 

A festa nas ruas foi mais que perfeita. 

Em vários momentos que me estava a ir abaixo, ouvia as pessoas gritar “Vamos Pedro, arriba Pedro!!”. Estavam seguramente vários milhares de pessoas nos passeios de Barcelona a aplaudir os corredores. Esta é sem dúvida a melhor parte da maratona: o sentimento de festa e de união em torno de um evento. Os espectadores são um espetáculo dentro do espetáculo. 



No último quilómetro da prova, já completamente esgotado e exausto, no limite do desmaio e dores de pernas, com o sabor de sangue a chegar-me a garganta, senti-me transportado pelo apoio do público e arranquei como um cavalo a alta velocidade ultrapassando várias dezenas de corredores. 

Foi um final glorioso e um recorde pessoal. 3 horas, 12 minutos e 4 segundos. Um ritmo de 4 minutos e 33 segundos por quilómetro. Terminei no lugar 1.175 entre 20.000 corredores. Uma melhoria de 8 minutos face ao anterior recorde.



Desta vez preparação para a prova foi tudo menos perfeita. Antes do grande dia estava receoso de como o corpo se ia comportar. Nos últimos dois meses esteve muito frio e vento em Teerão. Treinei debaixo de condições climatéricas bastante adversas, tais como temperaturas negativas e ventos frontais de 30 kms/hora. Tive também uma pequena lesão na anca em finais de janeiro que me condicionou durante alguns dias.

Nestes dias de treinos mais difíceis, procuro manter uma boa atitude. Gosto de pensar que as adversidades me tornam mais forte. Gosto de transformar o negativo em positivo. Não está frio, apenas não está tanto calor. As minhas pernas não estão fracas, apenas estão a desenvolver-se mais. Este tipo de pensamento e atitude fazem toda a diferença, não só na corrida mas em todos os aspetos da nossa vida. 


Em termos de treinos corri uma média de 60 kms por semana, durante 9 semanas, basicamente desde o inicio de Janeiro. Fiz também bastante treino de força  no ginásio e alongamentos, cerca de 1 hora por dia, 5 dias por semana. O meu filhote Vicente agora já dorme mais horas durante a noite, por isso o descanso também correu bem. Em termos de nutrição procurei manter o habitual equilíbrio entre hidratos de carbono, proteínas e muitas vitaminas e minerais.

E qual foi a principal lição que aprendi nesta maratona? Resposta: É importante ter uma estratégia de corrida. Estudar bem o percurso, fazer um planeamento do ritmo que pretendemos implementar nos vários momentos da prova, saber quando beber água ou ingerir um gel, adequar o equipamento às condições climatéricas ou por exemplo correr atrás de outros corredores em zonas com mais vento. O conhecimento e implementação destas variáveis trará acréscimos de bem estar e confiança. A preparação antecipada diminuirá o risco de colapso ou surpresas desagradáveis como frio, sede e esgotamento.



Na maratona como na vida há sempre sofrimento, não há como fugir. Mas podemos diminui-lo e estar preparados para ele.

Agora é continuar o caminho e o meu sonho continua vivo: correr a maratona em menos de 3 horas! E já tenho uma data e um lugar para esse sonho: Berlim, 29 de Setembro de 2019. 

Mas correr uma maratona em menos de 3 horas implica um aumento substancial do número de quilómetros por semana e uma auto-disciplina ainda maior em termos de descanso e nutrição. Será possível concretizar este objetivo? O sonho comanda a vida. Só se tentarmos podemos saber os nossos limites. 

Neste campo a minha filosofia é muito simples: prefiro tentar, apontar às estrelas e ao impossível e falhar... do que nem sequer tentar.

Think about it!