Na linha de partida estavam 30.000 atletas. Eu era um deles.
Um total de 102 nações representadas.
Mais que fazer uma corrida, parecia que íamos para a guerra.
Olhares concentrados e aguerridos. Músculos tensos e respiração curta. Um
silêncio de cortar a respiração. Quando faltavam três minutos para o tiro de partida, uma qualquer diva sueca dirigiu-se a um palanque no alto de uma ponte, e cantou o hino da Suécia. Ao meu lado havia pessoas a chorar. Quando o hino terminou, 5 aviões da força aérea em formação triangular, passaram rente às nossas cabeças em alta velocidade, deixando atrás de si um rasto de fumo branco.
Foi então que se ouviu um estridente “PUM”!!
Estava dada a ordem para atacar os 42 quilómetros e 195
metros da Maratona de Estocolmo. O primeiro quilómetro de uma maratona é tão incaracterístico que se torna quase cómico. Milhares de pessoas com um ritmo diferente a tentar conquistar o seu espaço. Uns tentam passar pelo meio, outros pelos lados. Não há como evitar encontrões ou algumas rasteiras. Só posso descrever o processo com uma palavra: caos.
Naquele sábado, 2 de Junho de 2018, eu ainda não sabia bem no
que me estava a meter. Ou melhor, saber sabia, mas não podia prever as
dificuldades com que me ia deparar.
A minha confiança estava em alta. Apenas dois meses antes, a
1 de Abril de 2018, corri uma maratona na Grécia com o fantástico tempo de 3
horas e 33 minutos.
Desta vez o meu objetivo eram as 3 horas e 15 minutos. Para
isso preparei-me com afinco durante 8 semanas. Por exemplo, duas semanas antes
da maratona em Estocolmo, corri a meia maratona em Teerão com o tempo de 1 hora
e 37 minutos. Uma boa performance tendo em conta que a capital do Irão se situa
a 1500 metros de altitude.
No entanto, durante essas 8 semanas, uma pequena lesão na
virilha começou a atormentar-me… de repente vinha e depois ia… depois voltava…
os sintomas eram basicamente uma dor excruciante e sensação de fraqueza na
perna. Alguns dias antes da corrida não havia sinais da lesão, por isso estava
motivado e confiante para o meu objetivo.
Mas voltando à corrida… após o tal primeiro quilómetro
confuso, pus os olhos na estrada e concentrei-me na minha missão. Estava um dia
espetacular numa cidade espetacular!
Mas nem isso me ia parar. Sou português do sul da Europa,
não tenho medo do calor e com a hidratação certa não vou ter problemas… pensava
eu!
Portanto tudo estava bem encaminhado. Tinha o equipamento
certo, banda sonora perfeita nos ouvidos e estava motivado! Era só correr e
cumprir o objetivo!Fiz os primeiros 5 kms em 23 minutos, ou seja, uma cadência de 4 mins e 35 segundos por quilometro. Tudo a correr bem.
Mas foi então que aconteceu… o fado que de certa forma eu já previa… ao km 8, a lesão na virilha atacou mais forte que nunca… e apesar de ter tomado comprimidos para as dores, a sensação de dor era quase insuportável. Continuei durante uns 2 kms a ver se passava. Tinha dores, mas o corpo estava quente e conseguia correr.
Faltavam 32 kms e não conseguia mais.
O natural era desistir.
Mas não podia. Quando desistimos uma vez torna-se um hábito.
E não podia dizer ao meu filho que vem a caminho que tinha desistido a meio de
uma maratona!
Por isso decidi continuar. A coxear. A chorar. Num esforço
brutal como nunca antes tinha feito na vida. Fazendo cada metro com muito sacrifício.
Devido à forma como corria, novas dores em novos locais começaram a aparecer
como os joelhos e músculos das pernas.
Com o calor e o sofrimento, comecei a sentir devaneios de
loucura. A música nos meus ouvidos parecia mais lenta e enrolada. O controlo
emocional estava a escapar-se. E como não? Lembro-me de passar no Km 30 e já
não tinha nada para dar… como ia fazer os 12 kms e 195 metros que faltavam?
Nas estações de abastecimento de água, sedento e desidratado,
atirava-me contra as bancas e apanhava dois ou três copos que continham o
precioso líquido. Na mesma altura, dezenas de corredores tentavam ocupar o
mesmo espaço e íamos uns contra os outros, roçando os braços e pernas molhadas
uns nos outros, como se estivéssemos numa qualquer orgia ou algo semelhante. Durante
o percurso, havia uma espécie de mangueiras a jorrar água, com o objetivo de refrescar
os participantes. Tenho a vaga memória, de passar nestes duches e sentir a água
gelada a bater na minha pele quente e a dizer “acorda, acorda, vamos para a
frente!!”.
Mas com tantas adversidades eu não era o único a sofrer. Havia
pessoas no chão a ser assistidas por médicos. Outros foram para o hospital
devido a lesões ou desidratação. Muitos desistiram a meio.
Mas depois via idosos a correr com um enorme sofrimento estampado
no rosto. E via também cegos e pessoas em cadeira de rodas. E aí sentia-me
inspirado e com força para continuar.
Ao final de 4 horas e 39 minutos, entrei no Estádio olímpico
de Estocolmo e completei a maratona!
Quando passei a linha da meta, o meu nome e a bandeira de Portugal apareceram no placar eletrónico. Acabei nos 9000 primeiros e recebi uma medalha. Foi um feito simplesmente épico e que nunca mais esquecerei. Apesar de todas as contrariedades, a felicidade de completar mais uma maratona justificou o sacrifício!
Pedro
ResponderExcluiro teu relato é comovente e mostra bem a tua determinação e força anímica
Grande lição
Um grande abraço
Luís
Pedro
ResponderExcluirEstive a ler a descrição do que sentiste durante a maratona e achei maravilhoso que tivesses pensado no teu filho.
Mas havia sempre a sensação de ligação a qualquer sentimento que me vinha á mente.
Depois reli o que escreves-te no teu blog no dia 14 de outubro de 2011 e fez-se luz.
Era o poema “if”
Se fores capaz de encontrar a última força que resta
No coração, nos nervos e nos músculos, já exaustos
E de aguentar quando tudo parece perdido
E te resta apenas a vontade que te diz “Aguenta!”
Este poema também conhecido com Carta a um Filho foi escrito pelo autor em 1910 dedicado aos seus filhos.
publicado a pedido de LUISA QUEIROZ