Nunca fui bom a jogar xadrez. Sei os movimentos básicos e
ganho aqui a ali a uns nabos que se apresentam à mesa numa noite de verão. Ou
então se estiver numa fase de maior inspiração. A verdade é que também nunca
pratiquei muito. Mas a principal razão por que não sou bom no xadrez é porque
neste jogo é preciso prever três ou quatro jogadas à frente. Eu consigo talvez
duas.
No conflito entre os Estados Unidos e Irão, em que
recentemente se assistiu a uma escalada da violência verbal e até física, será
que é possível prever e antecipar as próximas jogadas dos líderes dos
respetivos países? Qual será a estratégia de ambos para o curto/médio prazo?
No xadrez há peças mais importantes que outras. E por vezes
sacrifica-se uma peça para tentar chegar a outra mais importante. Esta é a
génese do jogo: desequilibrar o adversário.
Para já está claro que o presidente Trump decidiu ir a jogo
com o Irão. E com um simples objetivo: capturar o rei, o Ayatolah Khamenei e
substituí-lo por alguém mais alinhado com os interesses americanos do petróleo,
do nuclear, de Israel e da Arábia Saudita.
Mas o que é engraçado, é que já por várias vezes, Trump se
refere ao Irão e aos Iranianos como um grande país, tendo até a ousadia de
dizer: “Let’s make Iran great again.” Ou seja, Trump não está atrás dos
Iranianos, Trump está atrás do seu líder e do seu sistema político que apelida
de terrorista. Recordo que o Irão é a maior Teocracia do mundo, ou por outras
palavras, a lei religiosa do Islão faz parte da constituição.
A primeira jogada de Trump foi abandonar o acordo nuclear e infligir
sanções económicas ao Irão. Lá está o tal desequilíbrio a acontecer. E embora
as sanções criem instabilidade, o Irão tem conseguido defender-se e sobreviver.
Porquê? Porque o Irão é um país rico em quase todas as matérias primas e até na
produção alimentar é quase auto-suficiente. Para além disso, faz fronteira terrestre
com 7 países, por isso é fácil fazer contrabando longe dos olhares dos EUA.
Estando a viver no Irão há dois anos, surpreende-me a calma
das pessoas e do cidadão comum perante as sanções económicas e as notícias de
possíveis ataques nos jornais. É como se não se passasse nada. Não há corridas
aos supermercados, bancos ou aeroporto. Tudo está calmo, as crianças vão à
escola e os adultos para o trabalho.
Isto acontece por dois motivos: primeiro porque os peões do
jogo do Irão, ou seja, os cidadãos normais, já estão habituados. É como haver notícias
de terramotos no Nepal, chacinas em África ou tempestades nas caraíbas. É
normal. Em segundo lugar, e este ponto é fundamental, é claro que os iranianos
comuns não querem que os americanos venham por aí adentro destruir o país. Mas
se uma eventual guerra for uma janela para uma possível mudança política ou
revolução, então venha ela.
Ou seja, os iranianos estão à espreita de uma mudança. Trump sabe disto. E o Ayatolah Khamenei também.
Ou seja, os iranianos estão à espreita de uma mudança. Trump sabe disto. E o Ayatolah Khamenei também.
Mas uma revolução interna lança muitas questões. Parece claro
pessoas querem essa revolução. Mas a que preço? O preço da guerra? E qual a alternativa
ao poder atual? Como seria feita uma transição? Na verdade, a promessa da revolução de 1979 não foi cumprida e hoje
possivelmente há mais corrupção do que na altura do Xá da Pérsia. As pessoas
não vivem mal, mas querem viver melhor. Os iranianos querem mais qualidade de vida porque sabem que o Irão
é um dos países mais ricos do mundo. Estão cansados de ver algumas elites a delapidar a riqueza. E acima de tudo, os iranianos estão cansados da falta de liberdade.
Se houvesse uma guerra (há dúvidas que os EUA a ganharia, independentemente
do tempo que demorasse o conflito?) e uma consequente revolução, a questão
principal que se colocaria a nível interno no Irão é a seguinte: no dia em que
as pessoas forem para as ruas e o exército iraniano vier ao seu encontro,
haverá algum soldado com coragem de disparar? Haverá algum soldado iraniano
disposto a disparar contra outro cidadão iraniano? É nesse momento que tudo se
vai jogar e os incidentes podem tornar-se mais ou menos graves. Entendo agora a
importância dos cravos na revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974. É
preciso derramar o mínimo de sangue possível. Estes processos de mudança podem
criar feridas graves no futuro dos países.
Vamos então fazer um exercício de xadrez com as jogadas dos
dois adversários, aquelas que já conhecemos e as que poderão vir a acontecer:
EUA: Trump sai do acordo nuclear e impõe sanções económicas
ao Irão. Fortalece os laços com Israel e Arábia Saudita.
Irão: Tenta criar laços com Russia, China e EU e
desacreditar os EUA. Internamente reforça as suas defesas e apela aos cidadãos para
produzirem e consumirem o que é interno.
EUA: Movimentações bélicas no Golfo Pérsico e reforço da
presença americana da região.
Irão: Ataques (?) a petroleiros e drones. (Este ponto para
mim não tem explicação, mesmo se tivessem sido os iranianos alguma vez eles
iriam lá voltar numa lancha para ir buscar uma mina que não explodiu? Parece que
a CIA encontrou passaportes iranianos a boiar na água... alguém acredita nisto?)
E agora começa o futuro:
Opção 1: os dois países, EUA e Irão, sentam-se à mesa e
chegam a um acordo. As sanções são levantadas, todos ficam felizes. Já agora uma
utopia: O Irão reconhece a importância da liberdade e torna-se uma nova Turquia
por exemplo. O Ayatolah mantém-se no poder com credibilidade reforçada.
Opção 2:
EUA: Atacam alvos militares no Irão como radares,
instalações de misseis e outros locais suspeitos.
Irão: O Irão ataca forças americanas na região como o porta
aviões estacionado no Golfo Pérsico. E para além disso ataca os aliados dos EUA
como a Arábia Saudita e Israel. Este é um dos maiores receios de Trump: ataque
do Irão a campos petrolíferos dos países do médio oriente. Isto faria os preços
do petróleo disparar a pique a criar uma grande instabilidade mundial. Foi por
isto que Trump cancelou o ataque a 10 minutos do seu início. Não foi por causa
da morte de 150 civis. Foi por causa dos preços do petróleo.
Resto do mundo: condenam os ataques de parte a parte, mas
ninguém faz nada, principalmente China, Rússia e EU. Querem ver o que se vai
passar, a típica atitude submissa com os EUA desde a Segunda Guerra Mundial.
Será que algum dia a divida vai ser paga e ficarão todos quites?
EUA: Com os ataques do Irão a alvos “aliados” no médio oriente,
os EUA vêm-se obrigados a atacar Teerão e outras cidades do país com o objetivo
de enfraquecer o regime. Imagens chocantes surgem na imprensa de ambos os
lados. Todos são santos. Todos são monstros.
Irão: Continuam os ataques ferozes a alvos na região do
médio oriente que se podem estender ao Dubai e Kuwait por exemplo. Soldados Iranianos
nas regiões montanhosas criam bolsas de resistência. O norte do Irão é igual ao
Afeganistão montanhoso: os EUA podem perder-se numa guerra sem fim e custos
astronómicos. Há pessoas a manifestar-se nas ruas e pode estar iminente uma
revolução fomentada pelas redes sociais.
EUA: Dependente do tempo do processo de guerra há uma
eleição à porta. A guerra fortalece ou enfraquece a posição de Trump? Será que conseguem apanhar o Ayatolah e fazer disso
o estandarte da liberdade americana como fizeram com Saddam ou Bin Laden?
E fico-me por aqui… porque só consigo prever duas jogadas e porque não é possível antecipar o
desenrolar dos acontecimentos num mundo tão complexo como o de hoje e com tanta
disponibilidade de informação.
Qualquer que seja o futuro não parece vir aí nada de bom. Mas estando a viver no Irão esta é uma situação que me assusta e me custa a compreender. O Irão tem certamente muitos problemas e muito a melhorar, mas o que estão os EUA a fazer na região há tantos anos? Que direito têm de implementar bases militares, invadir países etc será que os países do médio oriente não se conseguem sentar à mesa e resolver os seus próprios problemas?
Xeque-Mate.