sexta-feira, 17 de maio de 2019

Nepal 2019 - Voltar hoje e sempre!

O meu coração palpitava de alegria, no momento em que voltei a aterrar em Kathmandu, no passado dia 11 de abril de 2019. Desta vez o plano era ficar 1 mês.


Ainda estou à espera do dia em que ir ao Nepal deixe de fazer sentido. Já passaram 4 anos do grande terramoto de 25 de abril de 2015, e por isso seria normal que algumas dúvidas surgissem no momento de regressar.

Normalmente, quando voltamos a um sítio onde já fomos felizes, não conseguimos recuperar as emoções e as vivências dos tempos passados. Já não estão lá as mesmas pessoas com quem convivemos e nós próprios mudamos com o passar do tempo. A nostalgia toma conta de nós e é preciso virar a página e rumar a novos destinos.

Neste momento o Campo Esperança já não existe. Já não faço parte do movimento Obrigado Portugal. As crianças estão a crescer e alguns já são adultos. Muitos dos meus amigos do Hotel Dwarikas seguiram as suas vidas e já não tenho contacto com eles. Na vila de Bistagaon as coisas também mudaram e algumas amizades perderam-se com o tempo.

Então porquê voltar? Que energia é esta que me leva a voltar ao Nepal todos os anos? Que sentimento é este que continua a crescer e que traz tanto retorno e realização?

Há duas razões que me fazem voltar.

Em primeiro lugar a relação com as pessoas do Nepal. A natureza simples e afável dos Nepaleses continua a ser uma fonte de inspiração e enche-me o coração. As amizades que eu e a Ghazal fizemos solidificaram-se e com o passar dos anos, temos mais coisas em comum com os nossos amigos. Há certezas, respeito e confiança.

Encontro-me com o Parmeshor de Bistagaon e damos um abraço. A vida profissional dele não está fácil e está a pensar mudar-se para o médio oriente em busca de novas oportunidades. O Sameer, também da vila de Bistagaon, cresce a olhos vistos e está a mudar de voz. Quando o conhecemos tinha 10 anos e agora é um adolescente de 14 cheio de sonhos e expetativas. Diz-me que gosta de Juventus e o Real Madrid não está a fazer uma boa época. Pergunto-lhe pelas notas da escola. Estamos a pagar-lhe a educação e queremos que ele sinta exigência do nosso lado. Se continuar a aplicar-se e a ser um bom aluno estamos com ele até ao fim. Já não vamos a casa do Bablu e da Ruska. O destino não quis que a nossa amizade se mantivesse. Não vou revelar o que aconteceu, mas nestas idas ao Nepal e no trabalho social nem tudo são rosas e arco-íris. E quando se perde a confiança em alguém ficamos magoados. Podemos perdoar, mas é melhor cada um seguir o seu caminho. 



Vamos a casa dos nossos amigos Sherpas que moravam no Campo Esperança e somos recebidos como família. Uma casa humilde em Jorpati onde moram a Phurpa, Tashi, Passang, Karmu, Alia e o Tenzing. Quatro irmãs, um irmão e uma bebé. Os pais estão na vila de Yarmasing nos Himalaias e a Phurpa diz-me que a mãe Mingmar, reza por nós todos os dias. Perguntam pelo Vicente e nós prometemos trazê-lo no próximo ano. Almoçamos Dal Bat (arroz com lentilhas), sentados no chão, falamos, rimos e tiramos fotografias. A seguir ao almoço vem a preguiça e adormeço encostado a uma almofada. Também os estamos a ajudar com algumas despesas da casa e educação.


Encontramo-nos na Stupa de Boudha com as crianças do Campo Esperança. Os inseparáveis Bimal, Passang e Tashi. As melhores amigas Doma, Sneha e Lakpa. Desta vez a Simran também veio. Está tão crescida!! A Binita também deu um grande salto e olha quem está cá, é a Dabuti!! Já não a via há tanto tempo! No Campo éramos os melhores amigos. Lembro-me de ir ao centro da cidade comprar filmes da Disney e assistíamos aos mesmos numa das tendas do Campo. Eu não olhava para o filme. Preferia olha para a cara dela a ver a Branca da Neve ou a Alice no País das Maravilhas. Queremos ajudar a suportar a educação destes miúdos e arranjar bolsas de estudo para a universidade. O sonho deles é ter uma educação superior. Não vamos descansar enquanto os sonhos deles não se concretizarem. Há 4 anos falava com estes miúdos e as conversas tinham um tom mais simples e infantil. Hoje falamos da vida, do futuro e dos problemas de crescer. Eles chamam-me irmão e isso faz-me sentir borboletas no estômago. Nunca os vou abandonar.



Vistamos a escola Mount Kalaish a 30 minutos do centro de Kathmandu. É lá que estudam 12 crianças que também estavam no Campo Esperança. Chegamos e somos recebidos com abraços efusivos pela Mingmar, Tenzing, Krishna e Pema. Perguntamos como estão a ser tratados pelo diretor e o resto dos colegas. Às vezes há maus tratos nestas escolas e queremos garantir que tudo está bem. Vamos a uma mercearia nas redondezas e compramos tudo o que precisam. Sabonetes, champô, redes mosquiteiras, material escolar e tudo o resto que necessitem. Só os visitamos uma vez por ano, mas mantemos contacto regular via internet. Quando saímos da escola as lágrimas vêm-nos aos olhos. Se pudéssemos levávamos estes miúdos todos para casa e tomávamos conta deles.




 Vamos a Thaiba no sul de Kathmandu e visitamos os dois orfanatos que estamos a apoiar. Ao todo 22 crianças que já não têm famílias e foram vítimas de maus tratos ou trabalho infantil. Estas crianças são de uma humildade e simplicidade extrema. Estão sempre a sorrir, dançar e agradecer. Na escola têm as notas máximas e estão sempre limpos e bem vestidos. Uma raridade no Nepal. Também estamos com eles até ao fim. No ano passado ajudámos com os uniformes da escola, eletrodomésticos, dentistas e até com as rendas dos prédios em que moram. Num dos dias, fomos todos comer pizza e gelado e uma das crianças disse “Este é um dos melhores dias da minha vida.”





No Hotel Dwarikas, somos recebidos pela Ambica, Sangita e Vijay como membros da família. É um dos melhores hotéis de Kathmandu e ali sentimo-nos verdadeiramente em casa. Os empregados abraçam-nos e recordamos os velhos tempos do terramoto. O Alpha, Bikendra, Maesh e Sajan já não estão no hotel, mas ainda nos rimos e conversamos muito com o Pravin, o Shiva, a Mako, o Guruji, o Keshav, o Milan, o Ram e a Anu. Também querem saber tudo sobre o Vicente. As nossas conversas são sinceras e afáveis. O hotel está em alvoroço porque o Vijay vai casar com a Shavona, uma princesa do Nepal. A Ghazal recebe um Saree especial para vestir num dos dias do casamento. Uma honra reservada apenas a pessoas da família. O casamento divide-se em duas partes. No casamento cristão em Dhulikhel, são 200 convidados e há uma estrutura impressionante montada no topo do resort. Há amor no ar e as pessoas estão felizes. O Vijay convida-me para fazer o discurso inicial do casamento. Mais uma grande honra que me enche o coração e a alma. Depois há o casamento Hindu em Kathmandu e os nossos sentidos são assaltados por música, cores, tradições, cheiros intensos e mais uma vez amor. Amor em tudo o que vemos e nos rodeia. Que dias memoráveis.






Vamos a Thamel e passeamos nos labirintos como dois turistas que acabaram de chegar à cidade pela primeira vez. Perdemo-nos nos becos, visitamos lojas de trekking, vemos música ao vivo e vamos aos restaurantes Or2k, Shavis e Places. Temos amigos em todo o lado e até alugamos uma scooter para fugirmos ao trânsito caótico de Kathmandu. Adoramos Thamel, o distrito mais cool de toda a Ásia.



O segundo motivo que me faz voltar ao Nepal são as montanhas. Os Himalaias são para mim o sítio mais bonito do mundo e tenho desenvolvido uma obsessão saudável pelo trekking e escalar os seus picos. Desta vez propus-me a voltar ao Evereste Base Camp e a escalar o Island Peak, uma montanha de 6200 metros com bastantes obstáculos técnicos que já envolve atravessar desfiladeiros, o uso de cordas e crampons nas botas. Felizmente correu tudo bem e cheguei ao pico da montanha. Não tenho palavras para o sentimento de andar no meio destes vales nos Himalaias. Avistar o Evereste, Lothse, Ama Damblan, Pumori e Nuptse e seguir as pegadas dos grandes aventureiros do passado, cria em mim uma euforia própria das grandes aventuras e descoberta do desconhecido. Está muito frio e há falta de oxigénio, mas ali sinto-me bem e feliz. 



Este ano decidi aliar a escalada a uma recolha de fundos para um dos orfanatos que estamos a apoiar, o Sharadas Shelter for Children. Queria recolher 3000€ e acabei por conseguir 4200€. As pessoas continuam a acreditar nos projetos que estamos a apoiar e por isso não me escondo e dou a cara. A iniciativa que eu e a Ghazal fundámos, Dreams of Kathmandu, continua a crescer e isso só é possível com o apoio de muita gente. Estamos para ficar. Não somos nenhuma ONG ou Fundação. Somos apenas pessoas apoiar outras pessoas. 100% dos fundos recolhidos são para os projetos e para as pessoas. Isto não é negociável.



Estes são os motivos que me fazem continuar a voltar ao Nepal. O amor das pessoas e a beleza natural do país fazem-me sentir em casa e queremos voltar todos os anos das nossas vidas. Não vamos abandonar os nossos amigos e não vamos viver do que já foi feito no passado. Vamos assumir as nossas responsabilidades, construir um futuro e continuar a cultivar estas amizades que tanta alegria nos proporcionam.

Até para o ano e continuem a acompanhar todos os nossos projetos em https://dreamsofkathmandu.blogspot.com/

Um comentário:

  1. Parabéns Pedro e Ghazal :) É muito bom ler todas as vossas vivências, e a paixão com que o fazem. Parabéns também ao Vicente, por vos ter escolhido como Pais :)

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