O meu coração palpitava de alegria, no momento em que voltei
a aterrar em Kathmandu, no passado dia 11 de abril de 2019. Desta vez o plano
era ficar 1 mês.
Ainda estou à espera do dia em que ir ao Nepal deixe de
fazer sentido. Já passaram 4 anos do grande terramoto de 25 de abril de 2015, e
por isso seria normal que algumas dúvidas surgissem no momento de regressar.
Normalmente, quando voltamos a um sítio onde já fomos
felizes, não conseguimos recuperar as emoções e as vivências dos tempos
passados. Já não estão lá as mesmas pessoas com quem convivemos e nós próprios
mudamos com o passar do tempo. A nostalgia toma conta de nós e é preciso virar
a página e rumar a novos destinos.
Neste momento o Campo Esperança já não existe. Já não faço
parte do movimento Obrigado Portugal. As crianças estão a crescer e alguns já
são adultos. Muitos dos meus amigos do Hotel Dwarikas seguiram as suas vidas e
já não tenho contacto com eles. Na vila de Bistagaon as coisas também mudaram e
algumas amizades perderam-se com o tempo.
Então porquê voltar? Que energia é esta que me leva a voltar
ao Nepal todos os anos? Que sentimento é este que continua a crescer e que traz tanto retorno e realização?
Há duas razões que me fazem voltar.
Em primeiro lugar a relação com as pessoas do Nepal. A
natureza simples e afável dos Nepaleses continua a ser uma fonte de inspiração
e enche-me o coração. As amizades que eu e a Ghazal fizemos solidificaram-se e com o passar dos anos, temos mais coisas em comum com os nossos amigos. Há certezas, respeito e
confiança.
Encontro-me com o Parmeshor de Bistagaon e damos um abraço.
A vida profissional dele não está fácil e está a pensar mudar-se para o médio
oriente em busca de novas oportunidades. O Sameer, também da vila de Bistagaon,
cresce a olhos vistos e está a mudar de voz. Quando o conhecemos tinha 10 anos
e agora é um adolescente de 14 cheio de sonhos e expetativas. Diz-me que gosta
de Juventus e o Real Madrid não está a fazer uma boa época. Pergunto-lhe pelas
notas da escola. Estamos a pagar-lhe a educação e queremos que ele sinta
exigência do nosso lado. Se continuar a aplicar-se e a ser um bom aluno estamos
com ele até ao fim. Já não vamos a casa do Bablu e da Ruska. O destino não quis
que a nossa amizade se mantivesse. Não vou revelar o que aconteceu, mas nestas
idas ao Nepal e no trabalho social nem tudo são rosas e arco-íris. E quando se
perde a confiança em alguém ficamos magoados. Podemos perdoar, mas é melhor
cada um seguir o seu caminho.
Vamos a casa dos nossos amigos Sherpas que moravam no Campo
Esperança e somos recebidos como família. Uma casa humilde em Jorpati onde
moram a Phurpa, Tashi, Passang, Karmu, Alia e o Tenzing. Quatro irmãs, um irmão
e uma bebé. Os pais estão na vila de Yarmasing nos Himalaias e a Phurpa diz-me
que a mãe Mingmar, reza por nós todos os dias. Perguntam pelo Vicente e nós
prometemos trazê-lo no próximo ano. Almoçamos Dal Bat (arroz com lentilhas),
sentados no chão, falamos, rimos e tiramos fotografias. A seguir ao almoço vem
a preguiça e adormeço encostado a uma almofada. Também os estamos a ajudar com
algumas despesas da casa e educação.
Encontramo-nos na Stupa de Boudha com as crianças do Campo
Esperança. Os inseparáveis Bimal, Passang e Tashi. As melhores amigas Doma,
Sneha e Lakpa. Desta vez a Simran também veio. Está tão crescida!! A Binita
também deu um grande salto e olha quem está cá, é a Dabuti!! Já não a via há
tanto tempo! No Campo éramos os melhores amigos. Lembro-me de ir ao centro da cidade
comprar filmes da Disney e assistíamos aos mesmos numa das tendas do Campo. Eu
não olhava para o filme. Preferia olha para a cara dela a ver a Branca da Neve
ou a Alice no País das Maravilhas. Queremos ajudar a suportar a educação destes
miúdos e arranjar bolsas de estudo para a universidade. O sonho deles é ter uma
educação superior. Não vamos descansar enquanto os sonhos deles não se
concretizarem. Há 4 anos falava com estes miúdos e as conversas tinham um tom
mais simples e infantil. Hoje falamos da vida, do futuro e dos problemas de
crescer. Eles chamam-me irmão e isso faz-me sentir borboletas no estômago.
Nunca os vou abandonar.
Vistamos a escola Mount Kalaish a 30 minutos do centro de
Kathmandu. É lá que estudam 12 crianças que também estavam no Campo Esperança.
Chegamos e somos recebidos com abraços efusivos pela Mingmar, Tenzing, Krishna
e Pema. Perguntamos como estão a ser tratados pelo diretor e o resto dos
colegas. Às vezes há maus tratos nestas escolas e queremos garantir que tudo
está bem. Vamos a uma mercearia nas redondezas e compramos tudo o que precisam.
Sabonetes, champô, redes mosquiteiras, material escolar e tudo o resto que necessitem.
Só os visitamos uma vez por ano, mas mantemos contacto regular via internet.
Quando saímos da escola as lágrimas vêm-nos aos olhos. Se pudéssemos levávamos
estes miúdos todos para casa e tomávamos conta deles.
Vamos a Thaiba no sul
de Kathmandu e visitamos os dois orfanatos que estamos a apoiar. Ao todo 22
crianças que já não têm famílias e foram vítimas de maus tratos ou trabalho
infantil. Estas crianças são de uma humildade e simplicidade extrema. Estão
sempre a sorrir, dançar e agradecer. Na escola têm as notas máximas e estão
sempre limpos e bem vestidos. Uma raridade no Nepal. Também estamos com eles
até ao fim. No ano passado ajudámos com os uniformes da escola,
eletrodomésticos, dentistas e até com as rendas dos prédios em que moram. Num
dos dias, fomos todos comer pizza e gelado e uma das crianças disse “Este é um
dos melhores dias da minha vida.”
No Hotel Dwarikas, somos recebidos pela Ambica, Sangita e
Vijay como membros da família. É um dos melhores hotéis de Kathmandu e ali sentimo-nos
verdadeiramente em casa. Os empregados abraçam-nos e recordamos os velhos
tempos do terramoto. O Alpha, Bikendra, Maesh e Sajan já não estão no hotel,
mas ainda nos rimos e conversamos muito com o Pravin, o Shiva, a Mako, o Guruji, o Keshav, o Milan,
o Ram e a Anu. Também querem saber tudo sobre o Vicente. As nossas conversas
são sinceras e afáveis. O hotel está em alvoroço porque o Vijay vai casar com a
Shavona, uma princesa do Nepal. A Ghazal recebe um Saree especial para vestir
num dos dias do casamento. Uma honra reservada apenas a pessoas da família. O
casamento divide-se em duas partes. No casamento cristão em Dhulikhel, são 200
convidados e há uma estrutura impressionante montada no topo do resort. Há amor
no ar e as pessoas estão felizes. O Vijay convida-me para fazer o discurso
inicial do casamento. Mais uma grande honra que me enche o coração e a alma.
Depois há o casamento Hindu em Kathmandu e os nossos sentidos são assaltados
por música, cores, tradições, cheiros intensos e mais uma vez amor. Amor em
tudo o que vemos e nos rodeia. Que dias memoráveis.
Vamos a Thamel e passeamos nos labirintos como dois turistas que acabaram
de chegar à cidade pela primeira vez. Perdemo-nos nos becos, visitamos lojas de
trekking, vemos música ao vivo e vamos aos restaurantes Or2k, Shavis e Places.
Temos amigos em todo o lado e até alugamos uma scooter para fugirmos ao
trânsito caótico de Kathmandu. Adoramos Thamel, o distrito mais cool de toda a
Ásia.
O segundo motivo que me faz voltar ao Nepal são as
montanhas. Os Himalaias são para mim o sítio mais bonito do mundo e tenho
desenvolvido uma obsessão saudável pelo trekking e escalar os seus picos. Desta
vez propus-me a voltar ao Evereste Base Camp e a escalar o Island Peak, uma
montanha de 6200 metros com bastantes obstáculos técnicos que já envolve
atravessar desfiladeiros, o uso de cordas e crampons nas botas. Felizmente
correu tudo bem e cheguei ao pico da montanha. Não tenho palavras para o
sentimento de andar no meio destes vales nos Himalaias. Avistar o Evereste,
Lothse, Ama Damblan, Pumori e Nuptse e seguir as pegadas dos grandes
aventureiros do passado, cria em mim uma euforia própria das grandes aventuras
e descoberta do desconhecido. Está muito frio e há falta de oxigénio, mas ali
sinto-me bem e feliz.
Este ano decidi aliar a escalada a uma recolha de
fundos para um dos orfanatos que estamos a apoiar, o Sharadas Shelter for Children. Queria recolher 3000€ e
acabei por conseguir 4200€. As pessoas continuam a acreditar nos projetos que
estamos a apoiar e por isso não me escondo e dou a cara. A iniciativa que eu e
a Ghazal fundámos, Dreams of Kathmandu, continua a crescer e isso só é possível
com o apoio de muita gente. Estamos para ficar. Não somos nenhuma ONG ou
Fundação. Somos apenas pessoas apoiar outras pessoas. 100% dos fundos
recolhidos são para os projetos e para as pessoas. Isto não é negociável.
Estes são os motivos que me fazem continuar a voltar ao
Nepal. O amor das pessoas e a beleza natural do país fazem-me sentir em casa e
queremos voltar todos os anos das nossas vidas. Não vamos abandonar os nossos
amigos e não vamos viver do que já foi feito no passado. Vamos assumir as
nossas responsabilidades, construir um futuro e continuar a cultivar estas
amizades que tanta alegria nos proporcionam.
Até para o ano e continuem a acompanhar todos os nossos
projetos em https://dreamsofkathmandu.blogspot.com/
Parabéns Pedro e Ghazal :) É muito bom ler todas as vossas vivências, e a paixão com que o fazem. Parabéns também ao Vicente, por vos ter escolhido como Pais :)
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