quinta-feira, 3 de maio de 2012

Pingo Doce ou Pingo Amargo?

Refugiado no campo em Inglaterra, segui com bastante atenção aquilo que se passou no Pingo Doce no último feriado 1 de Maio. Uma promoção de 50% de desconto directo em factura para compras superiores a 100 € não é todos os dias que acontece.
Como apaixonado pela Grande Distribuição que sou não queria deixar passar ao lado a oportunidade de comentar esta situação de diversos pontos de vista.
Em primeiro lugar, o Grupo Jerónimo Martins é um grande grupo. Fiz a minha formação profissional neste grupo e por isso posso ser suspeito ao fazer esta afirmação mas os factos comprovam-no. É um grupo familiar que foi superando as dificuldades que se lhe depararam ao longo dos anos de forma corajosa e exemplar.
Quando tirei o curso de Gestão na Universidade Católica diversos professores usavam o grupo JM como o exemplo daquilo que não se devia fazer. Na altura estávamos no início do século, entre 2000 e 2004. Nestes tempos foram vários os erros estratégicos do grupo, nomeadamente a questão da internacionalização para o Brasil, que aliada a desvalorização de 75% da moeda Brasileira, quase levou o grupo à bancarrota. O grupo perdeu crédito junto dos investidores e especula-se que apenas a acção da banca, nomeadamente do BES e BCP ajudaram o grupo a sobreviver. Nesta altura o Pingo Doce era ainda aquele supermercado caro direccionado para as elites, o Feira Nova era um Hiper com um posicionamento estranho quando comprado com o Continente ou o Carrefour e o Recheio apanhava pancada da Makro e de outros grossistas no Norte.
O que aconteceu então para que passados 10 anos o Grupo esteja onde está? Porque cresce 2 dígitos em vendas e resultados ano após ano? Porque tem a maior capitalização bolsista dos últimos anos em Portugal contrariando o ciclo negativo do PSI 20? E porque continuam a inovar e a abrir novos mercados e portas como nenhum outro grupo Português? Porque não vendem tudo ao Tesco ou à Wall Mart e vão descansar para uma ilha?
Para mim a resposta, que estive lá dentro, passa pela equipa de Gestão do grupo. O presidente do conselho de administração, o presidente da comissão executiva, os seus filhos, os directores financeiros, marketing, comerciais, etc.. são pessoas com uma grande visão. Uma visão preconizada por Soares dos Santos e ajudada a pôr em prática por pessoas competentes como Luís Palha da Silva e outros consultores externos como Borges de Assunção. Os directores das unidades de negócio conhecem as lojas todas de Portugal e as pessoas que lá trabalham pelo nome próprio. Desde o topo da hierarquia até ao caixa de supermercado, existe uma motivação enorme e um grande orgulho em pertencer a este grupo.
Não são permitidos atrasos nas reuniões. O consumidor é REI. Há uma revista interna no grupo que exalta os feitos pessoais dos trabalhadores do grupo, sejam eles das lojas ou dos escritórios. Lançaram máquinas de cafés e têm uma marca própria que em termos de qualidade pode ser comparada a muitas marcas líder mas muitas vezes quatro vezes mais barata. Têm uma escola de Recursos humanos, onde ensinam as competências que cada funcionário necessita ter para executar a sua função. Acabaram com o Feira Nova e conseguiram mudar o posicionamento de preço do Pingo Doce para um quase Hard Discount, mas possuem lojas com aparência agradável e que em nada se compara ao LIDL e Minipreço. São líderes de mercado no Polónia. Têm excelentes frescos (fruta, pão, carne, etc..),  etc  etc etc etc  julgo que por todos estes motivos e muitos que faltam aqui mencionar são de facto um excelente grupo e um exemplo de gestão para as empresas Portuguesas.
Relativamente a esta acção, devo no entanto dizer que fiquei um bocado surpreendido. A grande distribuição tem vindo a surpreender ao longo dos últimos anos com todos os instrumentos e mais alguns para captar o máximo de consumidores possível, mas nada do que se tinha passado até aqui supera isto. O Pingo Doce mais uma vez inovou mas aqui apareceu uma primeira contradição: esta insígnia tem vindo a comunicar que não faz promoções, nem cartões, nem talões, mas isto é claramente uma promoção, e mais do que isso, é a MAIOR promoção de sempre.
Aqui surge-me a questão: quem vai pagar a acção? Para termos uma ideia do que pode custar uma acção deste género podemos construir alguns pressupostos:
- A insígnia tem neste momento 396 lojas.
- Quanto ao valor gasto, vamos considerar uma compra média de 120 € , porque muitas pessoas não se limitaram a comprar 100 €, e com certeza houve muitas mercearias e pequenos retalhistas que foram lá abastecer e não compraram menos de 500 € em produto.
- As lojas abriram às 9 da manhã e fecharam às 18, mas vamos considerar o período de compras até às 19 horas porque muitos consumidores ainda se encontravam na loja quando as portas fecharam. Foram portanto 10 horas de abertura.
- Para cada acto de compra vamos considerar 15 minutos. Ou seja para passar os produtos na caixa registadora e pagar vamos considerar 15 minutos por consumidor. Portanto, ao longo do dia, cada caixa registadora teve 40 actos de compra (600 minutos/15 minutos). Se fizermos uma média de 10 caixas registadoras por loja (algumas têm 2, outras têm 30) temos então um total de 400 actos de compra por loja.
Fazendo então as contas temos: 120 € x 50% de desconto x 396 lojas x 400 actos de compra =
9.504.000 €!

Trata-se então de uma oferta total aos consumidores de quase 10 milhões de euros. Com alguma margem de erro nos pressupostos, acredito que o custo real desta promoção se encontre entre os 8 e os 12 milhões de euros
De acordo com o relatório de contas de 2011, o Grupo teve um resultado líquido de 340 milhões euros, sendo que mais de metade deste valor vem da Polónia. Poderá então o Pingo Doce sacrificar à volta de 10% do seu resultado liquido num único dia do ano?
A JM está então disposta a ajudar os portugueses, como afirmou esta semana, mas com os custos saídos do seu bolso? Estará disposta a dar estes 10 milhões de euros e sacrificar a sua margem?
Não me parece que isto vá acontecer. As marcas vão ser pressionadas até à morte para financiarem esta operação e não vão poder fazer grande coisa se não pagar… Primeiro vão dizer que não sabiam da acção e não tinham nada combinado em relação a pagamentos... mas de certeza que receberam encomendas fora do normal na semana anterior e não se importaram muito esse facto quando estavam a fazer os números de Abril.
Muita imprensa informou que o Pingo Doce fez dumping mas também já foi referido que vai ser muito complicado provar isso.
Por isso agora é aguardar pela autoridade da concorrência e também pela reacção do mercado, nomeadamente da Sonae. Estes senhores são os líderes de mercado em Portugal e não se vão deixar ficar assim... Para além disso se os fornecedores pagarem a acção do Pingo Doce é certinho que também vão ter de pagar uma à Sonae. O departamento de Marketing e Comercial da Sonae não fica nada atrás do Pingo Doce em termos de competência e por isso vamos aguardar pela resposta… quem sabe um 60% de desconto? Ou fazer 50% de novo mas desta vez com guarda-costas garantido para zelar pela segurança de quem está nas lojas?
Quanto ao dia da acção ser o feriado do trabalhador ou a confusão que foi gerada nas lojas só tenho a dizer que de facto a JM poderia ter reforçado a segurança nas lojas para evitar acidentes. Muitas das lojas têm corredores estreitos, parques de estacionamento pequenos e era de prever que animos pudessem exaltar. De resto todos os dias são dias e cada um faz o que lhe apetece. O simbolismo de determinados feriados pode significar muito para alguns e menos para outros. Por isso considero descabido qualquer questão face ao facto de as lojas estarem abertas neste dia ou mesmo criticas aos consumidores que lá foram aproveitar boas oportunidades.
Acabo este artigo com o mote que encontrei no relatório de contas da JM:
A certeza de um bom caminho nasce
do rigor do seu planeamento,
da disciplina na sua execução,
do controlo dos resultados atingidos.
Think about it!

2 comentários:

  1. Epah, PQ. Finalmente alguém com uma visão nítida e clara do que se passa realmente. De ínicio achei que por uma opinião tua, também por mim partilhada, de que se trata efectivamente de uma companhia exemplar, de sucesso comprovado, que pudesses cair no facciosismo do qual tenho vindo a assistir de um lado da moeda. O lado oposto até agora nada acrescentou. Mas como sabes bem, apesar de pertencer ao grupo, vou ser uma das fornecedoras que irá pagar esta promoção - sem ter sido "vista nem achada" - sem poder também eu planear esta acção promocional (em termos de viabilidade de margens, fornecimento de stocks ou escolha do sortido acertado)...ainda que tenha multiplicado vendas!
    Concordo contigo do princípio ao fim. Haja alguém que sabe do que fala - não percebo as discussões que se encontram actualmente em cima da mesa, e não percebo como é que ainda ninguém abriu os olhos para o mais grave que é o que mencionas aqui.
    Parabéns e que chegues aos ouvidos de todos.

    Rita Clara

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  2. Muito interessante, desde a introdução ao Grupo, até à sugestão de melhora, mas sobretudo a análise consultora, mas se calhar poderia ter ficar enriquecido com a tua opinião sobre a legitimidade de tais campanhas. Quem diria que poderias passar por um jornalista economico, gd Abraço MvfG

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