quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Uma quinta é um sistema para o futuro!

Quando tirei o curso de Gestão na Universidade Católica Portuguesa tinhamos uma cadeira chamada sistemas de informação na empresa. O seu objectivo no fundo era agregar a informação que se encontra nos vários níveis da empresa e torná-la visivel, útil e rentável para todos os funcionários nas várias posições. Esta interligação da informação de dados é bastante importante em qualquer àrea da nossa vida. Cruzar informações e a partir dai tomar as melhores decisões é algo que sem nos apercebemos fazemos todos os dias.
 
Se estiver frio e vamos trabalhar é melhor usar um sobretudo. Mas se em vez de trabalhar formos fazer desporto talvez umas calças de fato treino sejam o mais indicado. Se temos mais ou menos dinheiro no banco, comemos de forma diferente, vamos a sitios diferentes, etc.. tudo isto é a nossa vida, e qualquer decisão que tomamos está associada a um conjunto infinito de variáveis. As pessoas mais bem sucedidas e inteligentes são aquelas que conseguem organizar a informação de forma mais clara e objectiva, prevendo os problemas que possam suceder associados a qualquer uma das variáveis.
 
Na agricultura as coisas não são diferentes. As variáveis são infinitas e o conhecimento das mesmas significa o sucesso ou insucesso de determinado projecto.
 
Começando pelos processos mais simples temos as plantas. As plantas alimentam-se dos nutrientes no solo e formam matéria vegetal que depois é ingerida pelos animais e seres humanos. Os animais por sua vez utilizam essa matéria vegetal para a produção de proteínas (carne, leite e ovos por exemplo), que por sua vez será ingerida pelos seres humanos. Tanto uns como os outros fazem dejecções (fezes e urina) que são devolvidas e assimiladas pelo sistema. Esse sistema vai usar essas dejecções e os nutrientes nele contidos para a produção de novas plantas.
 
O paragráfo anterior é um resumo um tanto ou quanto vago daquilo a que podemos chamar um ciclo. Neste caso é o ciclo da alimentação, mas dentro dele existem os ciclos do carbono, do azoto e da àgua por exemplo. Tratam-se de ciclos fundamentais para um crescimento equilibrado da biodiversidade e sem eles não poderia haver vida na terra.
 
O conhecimento aprofundado destes ciclos, e as variáveis que neles estão envolvidas, é crucial para a prática da agricultura. Cada vez mais bocejo nas aulas em quem me dizem que para ter sucesso tenho de conhecer os mercados e os clientes e fornecedores e etc.. no fundo para ter sucesso financeiro... 
 
A meu ver estas questões estão-se a tornar secundárias face aquilo que realmente interessa na produção agricola: produzir com qualidade, respeitando e conhecendo o ecossistema. Só assim poderemos ser verdadeiramente sustentáveis, essa bonita palavra que muitos utilizam sem perceberem o verdadeiro significado dela. Para muitos será a preocupação com o futuro e as próximas gerações. É uma boa definição, mas assume um conhecimento daquilo que comemos e fazemos no nosso dia a dia.. e não é isso que está a acontecer. As populações, nomeadamente urbanas, e que compram os seus produtos nos supermercados, são guiadas maioritariamente pelo factor preço e marketing, desconhecendo o impacto que um simples acto de compra possa ter. Eu estou obviamente neste clube, mas acho importante começar a fazer algumas perguntas e a questionar os conceitos de sucesso.
 
As perguntas essenciais para um agricultor que pretenda implementar um sistema equilibrado passam por exemplo por:
 
- Quais são os nutrientes que afectam o crescimento e desenvolvimento das plantas? Como tornar esses nutrientes mais acessiveis às reizes das plantas? Como voltar a retornar os mesmos nutrientes à terra evitando a utilização de fertilizantes quimicos e evitando a depleção e erosão dos solos? Qual a influência que a água e temperatura do solo têm neste processo? Qual a influência que determinado tipo de planta ou forragem tem na alimentação e saúde dos animais? E quais são os processos através dos quais eles transformam essas plantas em carne e leite? Como posso reduzir as emissões de metano do gado bovino alterando a sua alimentação? Como é que uma mudança no tratamento do meu solo pode influenciar um ovo estrelado que vou comer no futuro? Qual a importância da biodiversidade no meu ecossistema?
 
E porque é que o consumidor não pode também saber quais são os processos que se dão na natureza e deste modo tomar decisões mais informadas?
 
A resposta a estas perguntas e o entendimento da relação entre as multiplas variáveis da natureza, é sem dúvida um conceito de sucesso muito mais abrangente e sustentável que o de simplemente conhecer os mercados. É o chamado conhecimento cientifico, mas que na prática é o conhecimento humano... que as gerações anteriores tinham apesar de não saberem ler nem escrever!

Um conhecimento adquirido por observação de estação após estação, ano após ano e que no nosso país se tem vindo a perder.
 
O mundo mudou em relação ao mundo  dessas gerações. Há muito mais conhecimento disponível e em formas mais acessíveis. Como tal temos a obrigação de pegar nesse conhecimento e fazer melhor. O recente escândalo da carne de cavalo é um claro exemplo que só estamos a fazer pior. O ciclo é simples: os consumidores não têm tempo, não cozinham em casa, querem refeições congeladas, não se envolvem no processo de compra, compram preço em vez de qualidade, então os retalhistas precisam de produtos baratos, o que faz com que os produtores se sintam pressionados a encontrar formas de chegar a esses produtos baratos. Misturar alguns cavalos na carne de vaca foi a solução encontrada para responder a essas pressões. Muito mais situações destas vão continuar a acontecer enquanto não nos quisermos informar e perceber como funcionam os sistemas. Sim, a culpa é do consumidor e não dos produtores ou retalhistas... porque o consumidor é rei e o mercado dá-lhe o que ele quer!!
 
Qual é a diferença para o planeta se eu comprar a maçã A ou a maçã B? Ou se comer 1 kg de carne por semana ou 1,5 kgs? Estas coisas deveriam ser ensinadas nas escolas!
 
Em conclusão, perceber a natureza é fundamental e é o primeiro passo para a sustentabilidade. Cada vez mais me assusta esse conhecimento porque é tão vasto, mas também já percebi que só com o tempo se chega lá. Agora fala-se em Portugal de centenas de novos agricultores, e estimular as exportações e produzir o que é nosso e cursos de 40 horas de agricultura para quem queira vir para a área. Sem dúvida que são bons estimulos e o país precisa. Mas parece-me que vamos assistir a mais um passo em falso no nosso desenvolvimento, pois só se fala de questões ligadas aos mercados, quotas e PAC e não se fala na natureza. Vão entrar novos agricultores que sem saberem o que estão a fazer vão destruir os solos, mal tratar os animais e no fundo contribuir para o afundar do país..
 
Conhecer a natureza por um futuro melhor...think about it!

Um comentário:

  1. Post muito bom Primo!... mas não fiques a pensar que só se fala em questões de mercado... sabias que 30% dos pagamentos directos da PAC (30% de cerca de 573 milhões de €) é direccionado para o "Greening" (pagamentos ecológicos)? Agricultura e Ambiente estão cada vez mais interligados, não é por acaso que agora pertencem ao mesmo ministério..

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