sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

No Reino do Cambodja

6.00 - O despertador toca de forma crescente. 

Onde estou? Ah ok, é um dormitório misto de 6 pessoas em Bangkok. 

Levanto-me e começo a arrumar as coisas tentando fazer pouco barulho.

Tenho que mexer em vários sacos de plástico. Daqueles que fazem barulho como uma rádio fora da sintonia. 

O Japonês mexe-se e levanta a venda. Provavelmente está a ver se alguém lhe está a roubar a mala.

6.03 - Já fora do quarto com a mochila pousada no chão, a arrumação ainda está por começar. 

Vou a uma varanda com grades que existe no fim do corredor. O céu está nublado. Nas ditas grades está pendurada toda a minha roupa. 

"Merda, devia ter lavado a roupa antes de ontem!" 

Está a ficar tarde. A roupa vai toda  molhada para dentro da mala. A fermentação vai começar. 

6.08 - Entro na casa de banho para tomar um duche. 

Atrás de mim vem a mochila grande e a pequena. Estou sozinho, tenho que andar com tudo comigo senão podem roubar-me as coisas. 

A casa de banho apresenta mínimos olímpicos de limpeza. Quase não há manchas de caca nas sanitas. 

De repente lembro-me que não tenho toalha. 

"Merda, não devia ter atirado fora a toalha que tinha roubado no hostel em Hanoi!"

6.12 - Ligo a torneira. Não era esta. Tento outra. Parece que era um regulador de temperatura. Também não era. Vejo um botão numa caixa branca. Ao pressioná-lo, gloriosa água fria cai do chuveiro. 

Lavo os dentes. Lavo as orelhas. Lavo o corpo com aquela água fria abençoada.

6.19 - Estou vestido e com a mochila às costas. Agora é só descer 5 andares de escadas até à recepção, levantar a caução de 6 € da chave e partir. 

"Será que me vão devolver o dinheiro?" 

A palavra caução cria arrepios até ao Chuck Norris. 

6.21 - Um recepcionista que nunca vi antes, dorme por detrás do balcão numa sala silenciosa e iluminada pela luz da manhã.  

"Hello", digo-lhe em voz alta. 

Ele acorda e sem pestanejar mais dá-me o dinheiro da caução. Sem eu lhe pedir nada. 

"Teve medo e deu-me logo o dinheiro."

Sou um duro.

6.22 - Tenho fome. E exaltado pela minha nova condição de duro, compro comida ali mesmo na recepção. 

Duas bolachas Oreo, duas bananas e uma garrafa de água meio litro. 

Os duros é assim. 

6.25 - Saio para a rua. O céu continua cinzento. 

Falta 1 hora e 5 minutos para que o autocarro que me vai levar ao Cambodja parta. 

Faço umas contas de cabeça sobre quanto tempo demora a chegar ao terminal. Daqui até à estação de metro são 7 minutos a pé.  Mais 38 minutos no comboio. Mais 10 minutos numa moto táxi. 

Ao todo 55 minutos. 

Pode correr mal. 

Começo a andar a pé para o metro. 

Meto a mão no bolso para ver se tenho o passaporte. 

Preparo a quantia exacta para o metro. 

Ajeito a posição da mochila. 

Como uma banana. Não há caixote para pôr a casca. 

Abro as Oreo. 

Abro a garrafa. Bebo água. Fecho a garrafa. 

Ainda tenho a casca de banana numa das mãos.

6.32 - Entro no Metro. Pedem me para abrir as malas e revistam-nas. 

Não se brinca em Bangkok. 

Desço dois lances de escadas rolantes e chego a um túnel com 3 aberturas. 

"Não te percas agora."

6.34 - Chego à máquina dos bilhetes. 

Mudo o botão para "English". 

Escolho a estação Chatuchak Park. 

Insiro a quantia exacta. 

6.36 - Estou num túnel e ao longe vejo pessoas a vir na minha direcção.

"Acabou de chegar um metro, CORRE!"

Na curva antes de chegar à plataforma ouço o sinal sonoro. As portas vão fechar. 

Num último esforço de Rosa Mota tento ir contra as portas que ainda estão meio abertas, na esperança que alguém veja e as reabra. 

Bad luck. Fecharam-se mesmo. O metro parte. 

Fico sozinho na estação. 

6.42 - Chega um novo metro. Faltam 48 minutos para o autocarro partir e pelas minha contas 50 para chegar lá. 

Agora é relaxar e esperar 40 minutos. Ponho os meus phones e ouço música. 

7.20 - Saio do metro. Faltam 10 minutos para o autocarro e ainda estou longíssimo!! 

Pânico! 

7.22 - Chego à rua. Chove a potes. Chegou a monção. 

Não quero saber. 

Preciso de alguém numa moto-táxi que me leve para o terminal. 

Um homem velhote trava nesse mesmo segundo e diz "Need motorcycle?". 

Subo para a mota com a mochila nas costas e digo no meu melhor Tailandês: 

"To Mon Chi terminal, QUICK!!"

7.35 - Chego ao terminal. 

Estou todo ensopado. 

Tiro o capacete. 

Pago ao homem da mota. 

O autocarro partia do lugar 106. Ainda tinha de correr mais. 

"Já deve ter partido, não tenho hipótese." 

Arranco pelo meio das pessoas que olham para os horários dos autocarros de forma plácida.. Os meus ténis chapinham.

"Já falta pouco!!"

7.37 - Chego à baía 106 e tudo está tranquilo. 

Há pessoas locais  a comer e a vender maçarocas de milho. 

Backpackers a mexer no telemóvel. 

Um casal dorme num banco. 

Penso para mim quando vejo o autocarro parado:

"Que manhã calma, o dia já está a correr bem."

Ainda não partiu apesar de serem 7.40 e já passarem 10 minutos da hora de partida.

Olho para o bilhete que tinha no bolso.

Afinal era só às 8.

P.s. Dez horas depois cheguei ao Cambodja. Sozinho. Gostei muito do país. Pessoas simples e a falar algum inglês. Calor. Temperaturas acima dos 35 graus. Boa comida e barata. Conheci uns argentinos muito simpáticos e fomos jantar fora. Na noite a segue um casal de Portugueses e uma lenda do Jazz que ensinou muitos artistas famosos. Visitei os templos de Angkor Wat e os Killing Fields. Estive em Siem Reap e na capital Phnom Penh. Andei muito de bicicleta. Ao todo fiquei uma semana. Talvez volte.

Amanhã chegamos ao Laos num autocarro que vai demorar 12 horas. Na fronteira vamos comprar motas e subir até ao norte do país. Até Luang Prabang.

Think about it!

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