terça-feira, 10 de abril de 2018

Uma Maratona na Grécia.

Maratona é o nome que se dá a uma corrida de 42,195 kms.

No meu imaginário, a Maratona é e sempre será uma prova de glória Lusitana. Na década de 80 do século XX, eu era uma criança em Lisboa a absorver e copiar o mundo que me rodeava. Na altura, tudo era magia... desde fazer a caderneta de cromos da Panini do México 86, à entrada de Portugal na União Europeia, passando pela queda do muro de Berlim, ver filmes como o ET e o Regresso ao Futuro ou ouvir as guitarradas de Pink Floyd, atrás da porta do quarto da minha irmã mais velha. O mundo estava em transformação.

Nessa altura, Portugal começou também a destacar-se internacionalmente no atletismo. E através de Carlos Lopes e Rosa Mota, ganhou as suas primeiras medalhas de ouro olímpicas em Los Angeles 84 e Seoul 88 respetivamente.

E em que prova? Na Maratona lá está!


Quando somos crianças fazemos as associações mais românticas e ao mesmo tempo absurdas com a informação que dispomos. Quando eu e os meus amigos corríamos no recreio da CEBE, a escola primária que frequentei em Lisboa, costumávamos dizer que éramos a Rosa Mota. Recordo-me na altura, de pensar que este era o nome dela por ser rápida como uma mota!! Tudo é tão mais simples quando somos crianças. Na mesma linha de pensamento, durante muito tempo também pensei que Jesus tinha nascido na Torre de Belém... alguém se importa de começar a dar explicações mais detalhadas às crianças sff??

Poucos anos mais tarde, já na década de 90, tive a honra de conhecer brevemente essa mesma lendária Rosa Mota, já que ela morava ao lado da casa onde passávamos férias com o nosso pai em São Pedro de Moel. Desse momento ficaram-me as memórias do seu sorriso, simpatia e humildade.


A prova da Maratona deriva de uma lenda.

Segundo reza a história, um soldado Ateniense de nome Fidípides, terá corrido a distância de 42,195 kms, entre a cidade de Maratona e Atenas para anunciar a vitória dos gregos sobre os persas, tendo morrido de exaustão após cumprir a missão.

Ao longo da minha vida, a corrida e o atletismo vieram ter comigo várias vezes, mas sempre de forma algo estranha, inesperada ou discreta.

Para além do já referido encontro com a Rosa Mota, uma vez, na 4ª classe, participei num triatlo inter-escolas e ganhei! Na verdade foi um momento de alguma frustração pois a prova realizou-se num sabádo, e só na segunda-feira seguinte fiquei a saber que tinha ganho e recebi a medalha. Na altura, a minha família tinha um jantar em casa de um amigo do meu pai, o Engenheiro Veiga, e tivemos que sair mais cedo, antes de sabermos os resultados da prova. Um ano depois, no 5º ano, já na Escola Delfim Santos, houve uma prova nos pupilos do exército junto ao Monsanto, a floresta de Lisboa, mas aí as coisas já não correram tão bem... fui selecionado para correr uma prova de 800 metros e se não fiquei em último lugar foi lá perto...

Na verdade, as competições ficaram-se por aí. Mas não a corrida em si. Nunca deixei de correr apesar de ter prestado mais atenção a outros desportos como o Futebol ou o Ténis.

No 8º ano, em 1995, com 14 anos, corri a mini maratona de Lisboa com o meu amigo João Gonçalo. Já nem me lembro porque decidimos participar, mas foi uma experiência única atravessar a ponte a correr e acabar cheio de dores de pernas em pleno Mosteiro dos Jerónimos.

Por essa altura, mais uma épica vitória portuguesa marcou o panorama do atletismo internacional: Fernanda Ribeiro ganhou os 10.000 metros em Atlanta 96, ultrapassando ao sprint, na reta da meta, uma atleta chinesa. Não me canso de ir ao Youtube e rever este momento!

Muitos anos mais tarde, por volta de 2009, comecei a correr no Estádio Universitário com o meu amigo Miguel Cal Ferreira. Foi aqui que ele me ensinou alguns aspetos importantes da corrida, e comecei a prestar mais atenção a questões como o equipamento, distância percorrida, tempo por quilómetro e outras "pancadas" típicas de quem corre por gosto. Os meus amigos devem ter-me levado a sério pois agora que penso, na minha festa de aniversário quando fiz 30 anos, em 2011, recebi como prenda uns ténis de corrida da Nike, daqueles que já dava para pôr um chip e controlar a distância percorrida através de um relógio.



Desde essa altura nunca mais deixei de correr de forma mais ou menos consistente. Por vezes 3 kms. Por vezes 6. Por vezes 10 e no máximo 15. Mas por vezes também fiquei um ou dois meses sem correr.

Nos últimos 10 anos, devo ter corrido algo como uma média de 500 kms por ano. Qualquer corredor que se preze sabe que esta distância não é nada de especial. No entanto, o gosto estava adquirido, e enquanto outros hobbies se desvaneciam, a vontade de correr continuou a ganhar força.

Por volta de 2014, o destino da corrida veio mais uma vez ter comigo de forma inesperada e sem bater à porta. Desta vez, na forma de um livro. "Auto-retrato de um escritor enquanto corredor de fundo", é uma obra do escritor japonês Haruki Murakami. Li o livro de uma ponta à outra em apenas dois dias. Cada página que folheava era como se o autor estivesse a ler o meu pensamento. Aparte de pormenores pessoais da vida do escritor, todas as minhas dúvidas, certezas, medos e sentimentos em relação à corrida, estavam ali expostos de forma crua e real.



Decidi então que não valia a pena enganar mais o destino: estava na hora me dedicar mais à corrida e correr uma maratona.

Estávamos então no ano de 2014. Um ano de grandes transformações pessoais onde aos 33 anos entre outras mudanças, comecei a pintar, tocar piano e vivi numa residência de estudantes nos Restauradores, bem no centro de Lisboa. Nessa altura, encarava este género de decisões, da mesma forma que alguém decide ir à rua comprar pão. Foi uma fase da vida em que considero que fui totalmente livre, no verdadeiro sentido da palavra liberdade, que no meu entender passa por ser livre no pensamento.  E tal como Haruki Murakami realizou a sua primeira maratona na Grécia, decidi que iria correr a prova no local onde a mesma tinha nascido muitos séculos antes.

Já tinha o local. Faltava-me a data.

Na altura da minha viagem de mochila às costas pela Ásia, no início de 2015, as dúvidas dissiparam-se. Estava em Fevereiro de 2015 e decidi que no dia 15 de Junho desse ano, data do meu aniversário, iria correr a distância da Maratona na Grécia. Sem saber no que me estava a meter, comecei a treinar sem um plano demasiado concreto. Fiz algumas corridas no Myanmar e no Cambodja e sentia-me forte. O meu instinto dizia-me que tudo ia correr bem. Também tinha acabado de conhecer no Vietname, aquela que seria a minha futura mulher, a Ghazal. E despreocupados, como dois amantes que vivem a paixão ao minuto, fizemos planos de nos encontramos na Grécia nessa semana de Junho.

Só que mais uma vez o destino não estava para brincadeiras. E devido a um terramoto no Nepal em Abril de 2015, e a uma missão humanitária sem qualquer tipo de precedente, tive que abandonar temporariamente o sonho de correr a tão desejada Maratona. A vida ficou em stand by... literalmente devido a um terramoto... e não só a Maratona, mas outros sonhos ficaram para trás. Como por exemplo ter uma quinta em Portugal, ou dedicar mais tempo a aperfeiçoar-me a cada dia que passa... continuando a aprender coisas novas, como o estava a fazer com as artes e a música por exemplo.

Aos poucos vou recuperando a liberdade e o gosto pelas coisas de antigamente e voltando ao caminho que estava a traçar. Mas mais forte e completo. E com sonhos, ambições e responsabilidades ainda maiores. Porque agora estou casado e à espera do primeiro filho/a. E também porque as aventuras que experienciei como andar 1200 kms a pé, ou a vivência da partilha com aqueles que não têm nada, me ensinou a sentir gratidão por tudo o que tenho. É a diferença que fazemos na vida dos outros que dá sentido à nossa existência.

E nesta linha de pensamento é mais fácil concretizar os nossos sonhos e desejos.

Porque os sonhos não são mais do que a outra face dos nossos medos. Senão os resolvermos e concretizarmos, ficam para sempre a incomodar-nos num canto da nossa mente e coração. Por isso, decidi mais uma vez colocar uma data no meu sonho. E para essa data estabeleci um plano de ação. E com esse plano de ação transformei o meu sonho em realidade.

A semana passada, dia 1 de Abril de 2018, cortei a meta da Maratona Alexandre o Grande, em Tessalonika na Grécia. Nos últimos metros senti-me a voar, e quando terminei, entre um mix de dor e emoção, abracei a Ghazal e os meus olhos romperam-se num pranto de lágrimas de alegria. As dores excruciantes não eram nada comparadas com a excitação que sentia naquele momento. Tinha acabado de subir mais um degrau na minha vida à custa de muito esforço e dedicação. 3 horas e 33 minutos foi o tempo final de um projeto que começou, quando corria no recreio da escola a pensar que era a Rosa Mota.


Foi um dos dias mais felizes da minha vida, onde me diverti como poucas vezes o havia feito. Só quem já correu uma Maratona sabe do que estou a falar. O ambiente que rodeia o evento é mágico. Não está em causa ganhar ou fazer um bom tempo. Está em causa a superação pessoal, a resistência à dor, o ser saudável e o atingir de um sonho ou objetivo.

Correr trouxe-me uma disciplina e equilíbrio que raras vezes senti no passado, seja em termos de descanso, saúde, nutrição ou auto conhecimento. E tal como muitos outros aspetos do processo existencial do ser humano, considero que correr não representa em si o fim de algo. O meu instinto diz-me que, através da corrida, outras portas se irão abrir na estrada da vida.

E quais são essas portas? Para já não sei. Mas vou continuar a correr à procura da chave. E a próxima Maratona já está marcada: Estocolmo, 2 de Junho de 2018.

Think about it!













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